A jovem Nina estava de volta a Curitiba, e suas antigas colegas do Colégio Estadual estavam ?pegando fogo?.
Nina só ficou um ano aqui na cidade, mas deixou muitas amigas. Estava só de passagem no momento.
A euforia era grande, mas o problema era conseguir convencer alguma mãe da necessidade de ?emprestar? a casa para a reunião das colegas. O telefone naquela casa, na Rua da Paz, quase não parava de tocar. Enfim, o acordo foi feito, e todas ficaram felizes.
As salas em ordem, a mesa com uma grande toalha bordada, a louça de porcelana foi tirada do armário. A idealizadora do ?evento? chegou cedo para ajudar… ?Ah! Desculpe, quebrei um dos seus vasos de porcelana.? (Tempos depois, ela comprou um de barro para colocar no lugar…)
A dona da casa não poderia participar do ?grande acontecimento?…
As mocinhas foram chegando, a casa já estava bem animada quando uma pessoa desconhecida trouxe um recado preocupante para a família: o genro fora preso pela polícia em São Paulo. (Estávamos vivendo tempos de ditadura no Brasil.) O problema era político e não se sabia do seu paradeiro.
?E agora?? Não havia muito tempo para pensar, tampouco sobrava dinheiro para viajar.
Marina, que até então fora apenas dona de casa e mãe de família, procurou um advogado, seu conhecido. Talvez, quem sabe, ele poderia ajudá-la.
?Dona Marina, perdão, mas nossos instrumentos de trabalho como o habeas corpus, por exemplo, nos foram tirados pelo atual governo. Nada posso fazer…?
?E, agora?? Apelou para o irmão que a ajudou com dinheiro. A casa ficara entregue àquelas meninas, que nem imaginavam o começo de um drama o qual se prolongaria por um longo espaço de tempo. Depois da reunião, a chave da casa foi deixada com a vizinha do lado.
Com a ajuda financeira do irmão, ela embarcou naquela mesma noite para São Paulo. Durante todo o trajeto, seu receio de não encontrar a filha e o netinho de poucos meses na casa onde Rute estaria escondida, foi como que minando suas forças.
A casa localizava-se em um bairro muito distante do centro, e a hospedeira, ?pura e inocente?, nem imaginava o que se passava.
Marina viu o portão aberto, entrou, assustou-se ao não ver nem uma peça de roupa a secar no varal. Sentindo-se desfalecer, tocou a campainha, e foi Rute com o nenê nos braços quem lhe abriu a porta. ?Eu estava sentindo a sua chegada. Lavei e passei toda a roupa. Por favor, quero voltar pra Curitiba.?
Mas sua missão ainda não havia terminado: era necessário encontrar o pai do seu neto. Procurou outros advogados, agora em São Paulo.
Brigou, discutiu, exigiu. Suas andanças levaram-na a visitar todas as prisões, todos os presídios. A resposta era sempre a mesma: ?Esse nome não se encontra em nossos arquivos…?
Ao conseguir localizar seu genro, sua visita foi celebrada pelos guardas como uma nova tortura, pois se tratava da visita da sogra!
Então, mais tranqüila, pois já sabia que o rapaz estava vivo, ela decidiu regressar para sua casa que fora negligenciada por tanto tempo.
Depois de liberto, o genro, muito assustado, com receio de ser novamente preso, pouco depois embarcou com a esposa e o filhinho para os Estados Unidos, deixando todos com o coração partido.
Aparentemente os dias voltaram à sua rotina naquela casa tão bonita.
Como num pingue-pongue, as cartas iam e vinham. Para começo e fim, ?estava tudo bem?.
Dois ou três anos se passaram. A saudade, o desejo de rever filha e neto, conhecer o outro neto que havia nascido tão longe. Sua vida doméstica havia se transformado em um caos.
Seu pequeno mundo desabara. As festas de fim de ano estavam próximas, um pensamento chegou rápido, mas deixou um rastro. Por que não ir até o Maine para passar o Natal com filha, genro e netos?
Tudo foi muito rápido: Conseguiu novamente ajuda dos parentes, comprou uma passagem aérea até Nova Iorque e fez as malas.
O dia 23 de dezembro chegou ensolarado, mas ela sabia que lá o frio devia ser intenso. Levou agasalho, embarcou nervosa, sozinha novamente, para enfrentar o desconhecido.
Nova Iorque estava linda, toda iluminada, vitrines hipnotizavam as pessoas. O frio era como ela esperava. Procurou informação onde comprar passagem para ir de trem até o Maine. Não foi muito difícil. O seu pouco conhecimento da língua inglesa foi suficiente para fazer-se entender.
Algumas horas depois, o trem entrou em uma região com muito arvoredo e um tanto acidentada. Começou a nevar. As florestas pareciam fantasmagóricas, sem folhas, tudo branco. Os pequenos pinheiro estavam protegidos com um arranjo de tábuas em forma de cone para fazer a neve deslizar para o chão, evitando o acúmulo de neve nos galhos ainda muito tenros.
O trem já não corria tão depressa, havia muita neve acumulada nos trilhos. Era véspera de Natal: dia 24 de dezembro.
O trem foi deslizando mais devagar até parar. As portas foram abertas e um funcionário da estrada avisou que todos deveriam sair do vagão, pois não haveria possibilidade da viagem continuar. A nevasca interrompera o caminho.
Perto dali vivia um funcionário da estrada de ferro. Todos os passageiros foram convidados a entrarem. ?Por favor, aceitam um pouco de Irish coffee??
Mas, o que seria este café? Marina conseguiu entender a receita: café com um pouco de brandy, creme de leite, nós moscada, cravo em pó e canela. Era um líqüido espesso, preparado para os dias de muito frio.
?Apesar de a região ser habitada por muitos religiosos, os chamados puritanos, que inclusive não bebem álcool, este café é consumido por ser muito nutritivo e quente.? Foi esta a informação.
A pequena casa ficou lotada de gente. Uma vontade enorme de chorar foi chegando, ela não conseguia disfarçar. Pelo jeito todos iriam passar a véspera de Natal ali mesmo.
A tempestade de neve havia piorado. Olhando pela janela, pensando na viagem tão difícil, tudo tão distante, para passar estas horas com seus queridos, e ela ali, com gente estranha.
?A senhora aceita uma fatia de pão caseiro com geléia?? Foi um despertar de consciência: ela não estava só, ali estavam também um casal de velhos que haviam saído de casa para visitar um neto, um professor universitário em férias, um estudante querendo passar o dia com os pais, um casal com um filho muito pequeno, lindo, que, cansado de passar de colo em colo, sendo abraçado e beijado por todos, dormia em cima de um sofá colorido. Era gente de todas as religiões, conversando, se abraçando e desejando um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo!
E as lágrimas desceram em agradecimento pela mensagem de fé e oimismo…
Margarita Wasserman é membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.
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