Assédio moral preocupa trabalhadores

moral180606.jpgOs casos de assédio sexual no trabalho já não preocupam mais como no passado, mesmo porque a atitude passou a ser tratada pela Justiça como crime. Agora, a grande preocupação dos trabalhadores é com o assédio moral, em que funcionários ouvem constantemente palavras pejorativas a respeito de sua capacidade profissional. Este ano, a Delegacia Regional do Trabalho (DRT) já registrou 89 denúncias de agressões no ambiente de trabalho, em Curitiba.

A célebre frase ?O trabalho dignifica o homem? não tem muito sentido para alguns trabalhadores. Eles são vítimas do assédio moral no ambiente de trabalho. Chefes e até mesmo colegas que deveriam ser parceiros assumem o papel de inimigos. Comentários agressivos sobre a capacidade profissional, gritos, constrangimentos, humilhações e invasão de privacidade viram rotina.

Ao contrário do assédio sexual, nem todas as agressões que se configuram em assédio moral são consideradas crime e muita gente acaba se valendo disso. Muitos trabalhadores só conseguem paz quando fazem a denúncia na DRT ou deixam o emprego. Em 2005, foram 149 casos e este ano já foram registrados mais 89. A estatística inclui também abusos, onde o desrespeito ao trabalhador foi grave, mas aconteceu apenas uma vez. A DRT também atua nestes casos, para evitar que a situação vire uma constante.

Segundo a auditora fiscal do trabalho Marilsa Lima da Silva, uma das coordenadoras do Núcleo de Apoio a Programas Especiais da DRT, o órgão tem conseguido resolver os conflitos através da intermediação. Uma das primeiras questões analisadas é se o empregado quer permanecer no trabalho. Se a resposta for negativa, ele é orientando a procurar um advogado e buscar seus direitos na Justiça. Caso tenha intenção de permanecer, as duas partes são chamadas para conversar.

Segundo Marilsa, o trabalho vem dando certo. Até agora houve apenas um caso reincidente. Durante os encontros, as empresas percebem que não é vantagem ter um ambiente de trabalho desse tipo, uma vez que funcionário desmotivado rende menos e isso se reflete nos lucros e em afastamentos por doenças. Além disso, os primeiros 15 dias são pagos pelo próprio empregador. Depois do contato com a DRT, algumas empresas foram além e implantaram até cursos para capacitar as lideranças e evitar esse tipo de agressão no trabalho.

Outro fato que chama a atenção em situações de assédio moral é que os chefes superiores, na maioria das vezes, não sabem que isso acontece. A violência é praticada, principalmente, pela chefia imediata. O empregado fica de mãos amarradas porque não tem acesso aos diretores. Para resolver isso, Marilsa aconselha a criação de um canal direto, onde o empregado possa fazer suas denúncias e reclamações. ?Quando os representantes das empresas chegam aqui, nem sabem que esse tipo de problema acontece?, fala Marilsa.

As mulheres grávidas estão entre as principais vítimas do assédio moral. Elas representam 20% das reclamações. A legislação garante a dispensa para todas as consultas e exames, mas o problema é que muitas acabam tendo uma gravidez complicada e precisam se ausentar com freqüência do trabalho. Aí os chefes começam a pegar no pé. Por outro lado, há casos em que as grávidas abusam. ?Se tem uma consulta à tarde, faltam também pela manhã?, diz Marilsa.

O assédio sexual, embora tenha reduzido muito, ainda existe. Em 2005 foram dois casos e este ano ocorreu mais um. Já os casos de preconceito racial contra afrodecendentes, que também são criminalizados, acontecem com mais freqüência. Foram quatro ano passado e este ano um. ?São vítimas de brincadeiras maldosas, de termos pejorativos, por isso os afrodescendentes não podem atuar em determinados setores da empresas?, exemplifica Marilsa. Algumas pessoas, além de procurar a DRT, também entram com processo criminal. Já a violência física acontece em menor escala, geralmente em empresas pequenas, onde o proprietário tem uma relação direta com os funcionários. Em 2005 e 2006 foram seis casos.

Marilsa diz também que os trabalhadores precisam saber que é proibido uma empresa pedir referência do empregado para a empresa anterior. Os dois estão incorrendo em crime e podem ser processados por danos morais. Com isso, o funcionário que faz a denúncia de maus tratos fica protegido. ?Os trabalhadores geralmente conseguem a prova gravando conversas?, diz.

 Pacientes são os maiores agressores nos hospitais

Uma pesquisa feita em um hospital em Londrina também revelou que a rotina de médicos e da equipe de enfermagem em um serviço de urgência não é muito tranqüila. Boa parte deles, se não todos, já foram vítimas de agressões verbais. Os principais agressores são os próprios pacientes, seguidos pelos acompanhantes, colegas de trabalho e a chefia.

Para a pesquisadora Eliene Cézar, que fez o estudo para a conclusão de seu mestrado pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, a situação é preocupante. Os resultados mostraram que 100% dos enfermeiros, 88,9% dos técnicos, 88,2% dos auxiliares de enfermagem e 85,7% dos médicos disseram ter sido vítimas de atos de violência no trabalho, embora não tenham sido registrados.

A violência mais sofrida é a agressão verbal, com 95,2% dos casos. As conseqüências disso são: desmotivação, irritação, estresse, ansiedade e até depressão. A qualidade de vida do funcionários fica prejudicada e a do atendimento aos pacientes também.

Para Eliene, o problema tem soluções, entre elas melhorar o espaço físico na sala de espera e sempre informar os pacientes do motivo da demora. Também são necessários a instalação de dispositivos de segurança, como câmeras e portas eletrônica, além de um registro das ocorrências, que poderão dar mais visibilidade ao problema e apontar outras mudanças necessárias.

Preconceito racial muitas vezes não é denunciado

Foto: Aliocha Mauricio/O Estado

Jaime: ?Nunca vi alguém ir para a cadeia por discriminação?.

São poucos os casos de preconceito racial registrados pela Delegacia Regional do Trabalho (DRT). Mas o diretor financeiro da Associação Cultural Negritude, Jaime Tadeu da Silva, diz que o número de agressões é muito maior do que aparece. Segundo ele, muitas pessoas não denunciam porque a auto-estima já foi tão minada que acabam achando que os outros têm razão. Há também quem não acredite na Justiça. ?Nunca vi alguém ir para a cadeia por discriminação?, ressalta Jaime.

Ele conta que no ano passado todo mês era procurado por até seis pessoas que denunciavam os abusos, mas o órgão não tinha estrutura para dar continuidade às ações. ?As pessoas acham que isso não existe, mas acontece todo dia com muita gente?, destaca Jaime. S.T., 32 anos, é um exemplo. Ela está fazendo tratamento psicológico depois de ser vítima por quase seis anos no trabalho. Nesse período, engordou 25 quilos e chegou a perder os cabelos. ?Diziam que o meu serviço era porco, que eu não servia para estar ali, me chamaram até de macaca e cantavam a música da escrava Izaura?, conta S.T. para simplificar todas as agressões que sofreu no trabalho.

Os preconceito vinha de três encarregados do setor onde atuava. ?Eles se reuniam para contar piadas e fazer outras gracinhas?, diz. Os colegas viam a chefia fazendo aquilo e também começaram a atazanar a vida de S.T. Só pararam depois que ela conquistou a amizade. Daí os amigos chegaram a tentar defendê-la, mas também foram ameaçados. A situação melhorou um pouco depois que a empresa resolveu abrir um canal de comunicação dos funcionários com os diretores. S.T. expôs o seu caso, foi feita uma investigação e descoberto o problema. Um dos encarregados foi transferido de setor, outro demitido e o terceiro pediu a conta. Ela achou que teria paz, mas viu que mesmo com um novo chefe as coisas não melhoraram. Descobriu isso depois que elaborou um projeto para reduzir os custos da empresa. Na hora de apresentar o trabalho, a chefia imediata não deixou que ela fosse. Foi apenas a colega que colaborou no projeto. ?Ele disse que não tinha nada contra mim. Mas recebeu ordens para que eu não fizesse nada lá dentro?, comenta. S.T. diz ainda que recebe R$ 400 a menos que os outros funcionários pelo mesmo trabalho e no fim do ano nunca consegue promoções. Sua avaliação é sempre insatisfatória. ?Como uma pessoa que sempre ganha conceitos tão ruins ainda não foi mandada embora??, questiona. Atualmente, S.T. está afastada do trabalho para tratamento psicológico. Ela ainda chora na hora de contar o problema. Diz que não saiu da multinacional porque não acha justo pedir demissão devido à cor da sua pele. ?Quando entrei na empresa, senti que tinha realizado um sonho. Mas a minha vida se transformou num inferno?, fala. Agora ela pretende buscar seus direitos na Justiça. 

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo