Não se sabe as reais motivações que levaram Davi a contrariar a própria história e tomar a iniciativa de desafiar Golias. Teria alguém instigado o pobre rapaz a falar o que vira ou inadvertidamente bateu com a língua nos dentes e depois foi constrangido a confirmar o dito? Talvez tenha se embriagado com a possibilidade de alcançar alguns momentos de glória sob os holofotes da televisão e dos flashes dos jornais. Mais provavelmente, brasileiro comum, não resistiu à indignação diante das mentiras e maracutaias empurradas goela abaixo do povo por força do poder apodrecido e deu-se conta de que tinha nas mãos a funda capaz de derrubar Golias. E conseguiu.
Mas e a que preço? Primeiro teve seus direitos violados com a quebra de seu sigilo bancário. Foi tachado de mentiroso, logo ele, cujos olhos bem testemunharam o entra-e-sai de uma certa mal-afamada mansão em Brasília. De um momento para outro, de denunciante virou réu. Suspeito de lavagem de dinheiro, teve exposta sua intimidade pessoal e familiar. E ainda vitimado pelo preconceito devido seu grau de instrução. Humilde e sem formação superior em malandragem e falcatruas, pobre Davi, não merecia crédito no que dizia.
Davi concedeu entrevista há algumas semanas a uma revista de grande circulação nacional. Seu depoimento é comovente. A vida, nas próprias palavras, de maravilhosa, tornou-se-lhe uma tragédia. Foi para a lama. Não só perdeu o emprego como ninguém quer lhe dar outro. Perdeu o sossego e a namorada de seis anos. Não tem onde morar e depende de amigos. Quando não, já dormiu embaixo de ponte. Não pode voltar para o seu pobre Piauí, onde comprou um terreninho com o dinheiro suspeitado porque a Justiça convoca-o a toda hora para depor, dar explicações e se defender por ter, mero caseiro, afrontado o então poderoso ministro Golias. Filho ilegítimo e compensado, como se dinheiro pudesse compensar a falta de um pai a vida toda, com os valores achados em sua conta, agora a fonte secou por desavenças com a família do homem.
Mas o que chama mais a atenção é a sua desesperança. A ausência de perspectiva de solução para o seu problema reflete a própria expectativa de todo o povo brasileiro. Francenildo, ou melhor, Davi está convencido que as autoridades não querem apurar nomes e punir os responsáveis pela ilegal bisbilhotice em sua vida particular. Está informado que Golias agora é candidato a deputado federal e desabafa: ?Ele tem muito mais dinheiro que eu. Quem estava mentindo subiu na vida. Eu que falava a verdade, lasquei-me…?.
O fecho é mais dramático ainda. Perguntado, se pudesse voltar no tempo, se repetiria as denúncias, respondeu que de forma alguma. E dá o recado aos cidadãos de bem que no Brasil não vale a pena contar a verdade. Se for fazer, prepare-se antes para fugir do país ou cave um buraco de sete palmos.
Dai a César o que é de César. Mas César é insaciável. Não conhece limites. Confunde a sagrada missão do exercício de poder do povo e pelo povo com tirar tudo que pode dele. Descaradamente lança-se de corpo e alma para surrupiar o que não lhe pertence. Sanguessugas, parasitas da nação, Césares e Golias esmagam com os pés da arrogância e estrangulam com os tentáculos da falsidade.
O progresso moral raramente acompanha o intelectual, mas este abre caminho àquele e este obtem-se pela educação integral do ser. Precisamos fazer a nossa parte auto-educando-se e exemplificando, destemidamente, ainda que sob risco de arcar com os ônus que desiludiram Francenildo. Mas nossa ação vai além, principalmente como pais e professores, não permitindo que os espíritos das novas gerações sejam contaminados pela pestilência moral que tomou conta da classe política. E não só dela.
Não adianta escamotear, comportar-se como avestruzes. Cada povo tem os governantes que merece. Este é o nosso país e nosso lar e devemos lutar para melhorá-lo sem desânimo. As sociedades progridem pelos indivíduos que se aperfeiçoam gradualmente e se esclarecem. Quando estes se tornam maioria, assumem a vanguarda dos movimentos renovadores e arrastam os demais.
As idéias não se transformam senão ao longo do tempo, jamais subitamente. Elas se enfraquecem aos poucos e acabam substituídas, juntamente com seus partidários, por outras impregnadas de valores novos e mais justos. Água mole em pedra dura, todos conhecem o ditado. Escolher, insistir, exigir, agir. Eis os verbos em moda. Pois acabar com o voto secreto nas sessões do Congresso Nacional, impedindo as vergonhosas pizzas, é ou não um avanço? Por enquanto só foi a primeira votação. Mas é um alento.
Exerçamos o nosso livre-arbítrio democrático consciente hoje para não amargarmos o determinismo social de amanhã imposto pela esperteza dos maus sobre a omissão dos bons. Ou para não termos que ver novamente Davi transformado em Pirro.
Colaboração da ADE-PR Assoc. de Divulgadores do Espiritismo do Paraná. E-mail: adepr@adepr.com.br.