As questões do destino e da morte

Por definição, fatalismo é a doutrina segundo a qual todos os acontecimentos estão previamente fixados sem que a vontade ou a inteligência possam lhes alterar o curso. O conceito filosófico seguinte mais próximo encontramos no determinismo pelo qual haveria uma rigorosa relação de causa e efeito entre os fenômenos diversos. Mais à frente viria o chamado acaso, entendido como um conjunto de pequenas causas, independentes entre si, que se prendem a leis ignoradas ou mal conhecidas e que determinam uma ocorrência qualquer. Finalmente chegamos ao destino que seria a sucessão de fatos que podem ou não ocorrer, constitutivos da vida do homem e considerados como resultantes de causas independentes de sua vontade.

Percebe-se na ordenação dos conceitos acima um deslocamento gradual no sentido de ver a vida humana com um grau decrescente de inflexibilidade, mas não de arbitrariedade. No acaso, abre-se até uma brecha para possibilidades outras contidas nas ?leis ignoradas ou mal conhecidas? enquanto no destino os componentes de determinismo e fatalismo diminuem, porém, sempre obedecendo a razões que independem da vontade humana.

A questão envolvendo estes conceitos e o livre-arbítrio é antiqüíssima e das mais fascinantes. A todo momento deparamos com situações individuais e coletivas que colocam o ser humano em perplexidade, desafiando-o a decifrar o enigma do seu próprio existir. Afinal, por que tudo acontece? As guerras, por exemplo, são obra de Deus ou dos homens? Suas, às vezes, milhões de vítimas, na maioria crianças, mulheres, idosos, são mesmo inocentes? Por que a Providência permite? O que acontece com suas almas?

Antes de avançarmos, rápida resposta. Segundo a filosofia espírita, as guerras advêm da predominância da natureza animal sobre a espiritual. Desaparecerão quando os homens compreenderem a justiça e praticarem as leis de Deus. Servem à liberdade e ao progresso e seus fomentadores necessitarão de muitas existências para expiar pelos homicídios de que foram causa por ambição.

Quanto à suposta inocência de vítimas, vale o mesmo que no caso das catástrofes naturais com as chamadas expiações coletivas. A aceitação da reencarnação como lei natural de justiça e progresso permite-nos entender que nada ocorre por acaso e à revelia de Deus, embora nem sempre seja por sua vontade. Deixando aos homens a liberdade de escolha de seus atos, consente que estes mergulhem na experiência pelos erros e acertos, recolhendo resultados compatíveis com as ações. Tribulações de grande vulto aos olhos humanos, representam pequenos abalos passageiros perante a eternidade divina, forçando-se ao retorno do equilíbrio momentaneamente comprometido.

Assim, em tese, as vítimas de hoje podem ter sido os algozes de ontem, resgatando dívidas e reajustando-se com a harmonia universal. Não está escrito na testa quem fomos ou o que fizemos em vidas passadas. Mesmo considerando a possibilidade de alguns indivíduos serem apanhados indevidamente tanto por um furacão, guerra, queda de avião ou bala perdida, informam-nos os espíritos superiores, que receberão no futuro ampla compensação por este sofrimento tido então como uma prova e não expiação. Até porque a vida material do homem, tanto para Deus como para os que já tenham avançado a certo nível de compreensão, não se reveste da importância que costumamos atribuir. No fundo, poucos de nós estão aptos a dimensionar a vida e a morte.

Superestimamos a primeira por temer a segunda. A crença numa possível vida após o decesso do corpo carnal, para a maioria ainda é vaga. O mundo dos espíritos apresenta-se abstrato e sombrio. Culpa em parte da nossa despreocupação e preguiça que faz dar atenção só ao material e ao presente. Mas também ao volume de informações distorcidas que nos são incutidas por religiões e outras correntes de pensamento que mais confundem e atemorizam do que esclarecem.

Na semana passada, num acidente rodoviário em Goiás, 13 pessoas morreram e 25 ficaram feridas. Mais um entre tantos, lamentavelmente. Chamou-nos a atenção, entretanto, o detalhe de que os passageiros haviam sido transferidos para aquele ônibus de um outro clandestino apreendido na estrada. Ou seja, o aparente ganho de segurança revelou-se fatal, após o motorista forçar uma ultrapassagem e colidir frontalmente com uma jamanta.

Muitas vezes já ouvimos falar destas ?coincidências?. Pessoas acidentadas sendo transportadas por ambulância que se envolve, por sua vez, em outro acidente e a pessoa não sobrevive. Outra tem medo de água, evita quanto pode entrar no mar e morre afogada numa enchente. Ironias do destino, peças e trapaças contra as quais nada pode se opor. Allan Kardec questionou sobre a fatalidade e os Benfeitores esclareceram: ?Podem ser provas escolhidas por elas mesmas… fatal, no sentido verdadeiro da palavra, só o instante da morte…?.

Por isso, há também as situações inversas. Pessoas que têm um contratempo e perdem o vôo que termina em acidente; esta é salva da morte porque o projétil sofreu o anteparo de uma moeda, uma caneta; aquela, por uma simples cefaléia deixa de acompanhar amigos a um passeio de barco que naufraga.

A fatalidade nada mais é do que as escolhas que se faz antes de reencarnar, traçando ?uma espécie de destino?. Mas somente os fatos importantes da vida são previamente fixados e mesmo estes podem ser alterados, adiados e até cancelados. Admite-se que certas ocorrências de natureza material apresentem características determinísticas, mas nunca as de natureza moral. Ninguém renasce com a missão de assassinar, estuprar, roubar. Poderá apresentar tendências, ter escolhido um ambiente ou circunstâncias em que estará mais exposto às tentações para tais atos, mas a decisão final será sempre sua, segundo a própria consciência.

O homem sem livre-arbítrio seria uma máquina e não poderia ser responsabilizado pelos seus atos diante das leis humanas ou divinas. Mas é relativo ao grau de desenvolvimento intelecto-moral já alcançado.

Quanto à questão da fixação prévia do momento e gênero de morte, a fé raciocinada convida-nos a uma reflexão pessoal que conduz à discordância parcial do que ali está enunciado. Oportunamente voltaremos ao assunto.

Collaboração da ADE-PR Assoc. de Divulgadores do Espiritismo do Paraná. E-mail: adepr@adepr.com.br

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