As dificuldades da gravidez precoce

Foto: DivulgaçãoNão aceitar a gravidez da filha jovem é mais comum do que parece. É assim na novela das oito da Rede Globo, onde a personagem ?Nanda? passa maus bocados depois de engravidar do namorado. Ele a abandona. Ela volta para casa, mas sem nenhum apoio da mãe, ?Marta?, que ainda ameaça expulsá-la.

Pior é descobrir que o mundo está cheio de ?Nandas?. Moças que engravidam de uma relação sexual eventual. Que na maioria das vezes não têm o apoio dos companheiros e são hostilizadas em casa. ?Martas? também existem na vida real. São mães que não se conformam com o comportamento descuidado dos jovens. Que se culpam e se desesperam.

Às cobranças, soma-se a dificuldade real de criar uma criança sem a maturidade nem, na maioria das vezes, as condições financeiras para isso.

A vida vira um transtorno para uma adolescente que se vê grávida. Elas sofrem com o preconceito, com a culpa e com a própria inexperiência.

Na vida real, toda a família sofre.

?Na televisão é mais legal?

 

Foto: Fábio Alexandre/Tribuna

Alessandro e Camila com a filha: dura realidade.

Camila tem 16 anos e já é mãe. O bebê tem um mês. O pai, Alessandro, tem 22 anos. Nessa família ninguém trabalha.

Só a mãe dele, que sustenta todos ganhando salário de empregada doméstica.

?Ela queria um filho, até ameaçou me largar?, justifica Alessandro.

?Eu queria engravidar para morar com ele?, confirma a adolescente. Agora moram juntos, mas não é como imaginavam.

Ele ganhou a segurança que queria, mas ouve longos sermões da mãe sobre a necessidade de achar um emprego.

?Se ela quiser ir embora pode ir, mas a neném fica. Meu problema agora é arranjar um emprego.?

Ela sente falta da liberdade, do tempo para se arrumar. ?Eu tenho saudade da vida de antes.

A gente vê TV e acha que é fácil. Só trocar, dar de mamar e o bebê dorme, mas não é assim. Ele chora o tempo todo, a gente não dorme. É muito ruim?, conta Camila.

Seis anos sem perdão

A história de Bruna* se parece com a novela. Ela, aos 17 anos, namorava André, de 23. Ele foi o primeiro amor. O primeiro com quem transou e na única vez em que não usaram camisinha engravidou de Felipe, hoje com seis anos.

Não ficaram mais do que um mês juntos e até hoje pagam o preço do descuido. Os dois pararam de estudar. Ela não concluiu o ensino médio e ele ainda tenta terminar o curso de Direito. Ela trabalha como balconista. Ele, na empresa da mãe. Felipe é muito mimado.

Passa um dia em cada casa.

E sustentado pelos avós, que adoram o neto, mas ainda guardam muita mágoa.

Quando Bruna descobriu que estava grávida soube também que – sendo diabética – corria risco de morte. Nem assim a mãe amoleceu. Ao saber da notícia a briga foi feia. Bruna teve que sair da casa e a mãe foi internada num hospital psiquiátrico por três semanas. Foi o pai que contornou a situação e conseguiu fazer as duas se falarem, mas a relação nunca mais foi a mesma.

?Acho que ela só voltou a falar comigo quando fui internada pela segunda vez com a pressão muito alta e o médico disse que ela teria de escolher entre o bebê ou eu?, conta Bruna. A mãe dela – e também de outras duas moças – ainda condena a filha. ?Eles não têm responsabilidade. O menino é ótimo, mas quem cuida e paga tudo somos nós e os pais dele. O que eu não me conformo é que eles sabiam do risco. Não são coitadinhos que não tinham informação. Nunca vou perdoar?, diz Mirian.

*Nome fictício

Índice reduz pouco entre jovens

Mais de 20% dos partos feitos anualmente no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, são de mulheres entre 10 e 20 anos. Mesmo assim o Governo Federal comemora uma pequena diminuição no índice de gravidez entre adolescentes.

Segundo os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a proporção de nascimentos em mães menores de 20 anos no País diminuiu de 20,8%, em 2003, para 20,6% em 2004.

Aumentou

O índice só aumentou no Nordeste. Lá essa incidência passou de 23,3% (2003) para 23,9% (2004). Maranhão (26,4%) e Tocantins (27,4%) apresentaram os maiores percentuais de nascimentos em mães menores de 20 anos, enquanto Distrito Federal (16,1%) e São Paulo (16,9%) tiveram os menores percentuais do País.

Casamentos

O Registro Civil 2004 destaca ainda que homens e mulheres estão se casando mais tarde. Em 1994, as mulheres que se casavam tinham em média 24,2 anos e os homens 26,1 anos. Em 2004, a média de idade das mulheres foi 27 anos e dos homens 30,4 anos. No entanto, aumentou em 88% o casamento de pessoas com menos de 20 anos de idade entre 2003 e 2004. Foram 18,8% dos casamentos.

Aids: geração melhor informada

?Ficar? e ?transar? são comportamentos cada vez mais comuns entre brasileiros com menos de 15 anos. A informação é da Unesco, que pesquisou o comportamento juvenil e lançou o livro Juventudes e Sexualidade, há dois anos. A gravidez juvenil é um tema de destaque no estudo: a maioria dos alunos e professores afirmaram ter contato com adolescentes grávidas nas escolas.

A pesquisa da Unesco em parceria com o Ministério da Saúde ouviu 16.000 jovens estudantes de 14 capitais brasileiras. Parte do levantamento tentou descobrir como os jovens se protegiam contra a aids. As respostas confirmaram que a atual é a geração mais bem informada sobre a doença.

Primeira vez

O estudo revela também como são os relacionamentos. Entre os brasileiros de 11 a 24 anos a tendência é namoro breve (ficar). Nas principais capitais pesquisadas, a idade da ?primeira vez? das meninas é 15 anos. A dos meninos, 14. Quase a metade dos jovens que admitem já ter vida sexual plena contou, aos pesquisadores da Unesco, que se iniciou não com um namoro firme mas com alguém com que ele ou ela ?ficava?.

O livro

Juventudes e Sexualidade resultou da pesquisa realizada em Belém, Cuiabá, Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, Maceió, Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo, Vitória e no Distrito Federal.

Abrange diferentes aspectos da vida sexual dos jovens, tais como a iniciação sexual, comportamentos diversificados como o ?ficar? e o namorar, a iniciação sexual cada vez mais precoce, o conhecimento e as informações que possuem sobre métodos anticoncepcionais, de prevenção da gravidez e de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs).

 

Camisinha sem vergonha

Foto: Fábio Alexandre/Tribuna

Carlos, desde os 15 anos,
apanha preservativos no
posto de saúde, gratuitamente.
E não sente vergonha.

No posto de saúde do Bairro Novo, Carlos Augusto Flores posou para a foto.

?Pego camisinha aqui desde os 15 anos, já perdi a vergonha?, explicou o estudante de 19 anos.

Ele incentiva os amigos a fazer o mesmo usando um argumento simples: proteção grátis contra gravidez e doenças. ?Pra comprar toda semana acaba saindo caro, então tem mais é que aproveitar?, diz ele.

Carlos não é exceção. Desde que a Prefeitura passou a ofertar métodos anticoncepcionais – de camisinha à pílula do dia seguinte – o número de jovens que procuram os postos aumentou. Antes de 2002, eles correspondiam a apenas 3% da população atendida. Hoje representam mais de 10% da clientela dos postos de saúde.

Melhor ainda é poder dizer que essa ousadia está diminuindo o número de adolescentes grávidas.

?É quase um recorde nacional?, conta Júlia Cordellini, coordenadora do Programa Adolescente Saudável.

Ela conta que em 2002 a cidade estava na média nacional, 19,5% dos partos eram em moças entre 10 e 20 anos.

Caiu para 16,2% no ano passado e continua diminuindo. A média dos primeiros três meses desse ano foi de 15,8%.

?E aqui, diferente dos resto do País, estamos conseguindo diminuir a gravidez entre menores de 15 anos, que chamamos de mãe menininha?, comemora a coordenadora. Segundo os dados da Secretaria Municipal de Saúde foram 300 casos no ano passado, 15 a menos que em 2004.

Ela defende o acesso aos métodos anticoncepcionais de forma desburocratizada e gratuita e diz que o sucesso do programa se baseia na capacitação dos profissionais e na disponibilização dos métodos. Vai defender essa idéia em Manaus, na próxima semana, debatendo com profissionais de saúde de todo o País. Na bagagem leva os números que provam o sucesso da estratégia.

Dois filhos e muita incerteza

Foto: Fábio Alexandre/Tribuna

Juliana, 17 anos, grávida pela segunda vez.

Juliana tem 17 anos e está grávida do segundo filho.

O primeiro ela teve aos 15. O namorado é o mesmo, assim como as incertezas. Na primeira gravidez ele a abandonou um mês antes do menino nascer. Pedro tem dois anos e em janeiro, quando os pais voltaram a namorar, gostou. ?Agora ele pede para ficar na casa do avô. Não agüenta mais ver a gente brigando?, conta Juliana.

O pai de Juliana, que ficou sem falar com a filha e adoeceu quando ela ficou grávida pela primeira vez, está a um passo de se meter na vida do casal. ?A gente está vendo as brigas, mas eu só vou deixar o meu marido se meter se a Juliana decidir ir morar com a gente?, avisa a mãe, Rita de Cássia Crestoni da Silva.

Mãe e filha são confidentes, dividem a responsabilidade de cuidar do pequeno Pedro e tentam esconder do pai de Juliana as dificuldades que a adolescente tem passado.

?E uma judiação. Uma vida interrompida.

Sem estudo, sem futuro?, analisa Rita.

Problema de saúde pública no Brasil

Gravidez precoce é considerada como um problema de saúde pública no Brasil e em outros países. No Brasil, uma em cada quatro mulheres que dão à luz nas maternidades tem menos de 20 anos de idade. Estas meninas que não são mais crianças, tampouco adultas, estão em processo de transformação e, ao mesmo tempo, prestes a serem mães.

Mas gravidez na adolescência não é novidade. Existe há muito tempo. É bem provável que nossas bisavós tenham engravidado na adolescência. Naquele tempo as mulheres se casavam ainda meninas. No entanto, o papel da mulher na sociedade mudou e, hoje, espera-se que a adolescente estude, trabalhe e não que engravide e tenha filhos.

As campanhas públicas divulgam métodos anticoncepcionais e os médicos têm alertado que as conseqüências de uma gravidez na adolescência não se resumem apenas aos fatores psicológicos ou sociais. A gravidez precoce põe em risco a vida tanto da mãe quanto do recém-nascido.

Na faixa dos 14 anos a mulher ainda não tem uma estrutura óssea e muscular adequada para o parto. O resultado mais comum em uma gestação precoce é o nascimento de um bebê com peso abaixo do normal, o que exige cuidados médicos especiais. Por conta da precocidade, essa criança também pode ter muitos problemas de saúde durante os primeiros anos de vida.

Além disso, o medo da gravidez leva muitas adolescentes à solução do aborto clandestino: segundo dados da Organização Mundial de Saúde, dos 4 milhões de abortos praticados por ano no Brasil, 1 milhão ocorrem entre adolescentes; muitas delas ficam estéreis e cerca de 20% morrem em decorrência do procedimento.

Adolescência e juventude

As definições variam, mas há um período em que adolescência e a juventude coincidem.

A adolescência é uma espécie de preparação para assumir o papel de adulto, que é definido principalmente por ter um trabalho que garanta a sobrevivência de um lar. A juventude é a fase da vida que se caracteriza pelo aumento de autonomia em relação à infância, quando ?abrem-se? os espaços públicos como ruas e praças.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMC) e o Ministério da Saúde a adolescência é delimitada como o período entre os 10 e os 20 anos incompletos. Entre 10 e 24 é considerado juventude. Para os dados estatísticos, divide-se a juventude entre 10 a 14 anos, 15 a 19 anos e 20 a 24 O Estatuto da Criança e do Adolescente diz que são adolescentes aqueles que têm entre 12 e 18 anos.

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