Pela primeira vez na história, um tribunal sul-americano investigará crimes contra a humanidade cometidos num país europeu. A tarefa foi assumida ontem pela juíza argentina María Servini de Cubría, que será a responsável pelo processo sobre detenções ilegais, torturas e assassinatos cometidos pelo regime do ditador espanhol Francisco Franco, que governou a Espanha de 1936 até 1975. Esses crimes estavam sendo investigados em Madri pelo juiz Baltazar Garzón. No entanto, o juiz espanhol – acusado de abuso de poder – foi impedido de prosseguir com o processo em 2008.
Para conseguir a retomada das investigações, numa inédita manobra internacional, parentes de vítimas da ditadura espanhola que vivem em Buenos Aires, respaldados por organizações argentinas de defesa dos direitos humanos – ao lado do Prêmio Nobel da Paz de 1980, o argentino Adolfo Pérez Esquivel -, apresentaram seus casos em tribunais argentinos. Os denunciantes, ressaltando que os crimes contra a humanidade “não prescrevem”, acusam os integrantes da ditadura de Franco pelo desaparecimento de 113 mil pessoas em 41 anos.
Graças a esse pedido, a juíza argentina aplicará o princípio de “jurisdição universal” – utilizado por Garzón em 1998, quando solicitou à Grã-Bretanha a detenção do ex-ditador chileno Augusto Pinochet em Londres, para que ele fosse extraditado e julgado na Espanha por torturas e assassinatos cometidos no Chile nos anos 70 e 80.
Esse princípio, consagrado pela Constituição argentina e outros países, determina que o tribunal de um país pode julgar crimes cometidos em outra nação, sob o argumento de que crimes contra a humanidade são tão graves que extrapolam fronteiras e podem ser julgados em qualquer tribunal do mundo.