Bairros miseráveis e perigosos de Porto Príncipe, Cité Soleil e Bel Air pouco sofreram com o terremoto de ontem, mas quem passa por ali ainda sente o cheiro da desgraça. A reportagem do jornal O Estado de S. Paulo passou o dia nas ruas da região destruída pelo tremor da semana passada e novamente abalada na manhã de ontem. Após o susto, os moradores tentavam retomar a vida em meio a tiros, escombros, corpos em decomposição, lixo, saqueadores e prédios condenados.
Equipes da tropa de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) intensificaram a retirada dos entulhos e concretos que interrompem o caótico trânsito das ruas. Sem perceber, o motorista de uma retroescavadeira retira pernas e o tronco de uma vítima de um prédio arruinado na avenida Jean-Jacques Dessalines, uma das mais perigosas da cidade e alvo de bandidos armados. Do outro lado da rua, outros quatro corpos – sendo um de criança – estão carbonizados e abandonados.
Na rua de cima, um grupo de homens não liga para o mau cheiro e disputa uma animada partida de dominó. Desempregado e desabrigado, Paulo Leopoldo, de 48 anos, chama a reportagem para assistir ao jogo. Seus três colegas perderam as casas, mas não o humor. “Você não joga nada”, disse Oswaldo Aristide, provocando o adversário Watson Monfredin.
De repente, um estrondo chama a atenção. A reportagem deixa o jogo de dominó e militares brasileiros, armados de fuzis, confirmam: foi um tiro. Em seguida, outros três estampidos e as tropas da ONU aconselham a não descer a rua. O tiroteio foi entre integrantes da polícia do Haiti e saqueadores. Um policial haitiano confirma a tensão. “Há muito ladrão querendo roubar, mas não há mais nada”, diz, alertando sobre o risco de circular à noite pela região.