Apenas uma colher de chá para cidadãos calvos

O título acima podia perfeitamente ter sido complementado com um subtítulo que viria a talho de foice, como se diria antigamente. Qual seria esse subtítulo adequado? Este; croniquinha metida a besta. Sim, ela não é e não pretende ser mais do que isso. Adiante.

A calvície, precoce ou tardia, não importa, tem motivado muito sofrimento por parte, sobretudo, mas não exclusivamente, dos homens. Isso vem acontecendo desde Júlio César. Mas parece que a mesma dor vitimou, muito antes, indivíduos tão conspícuos como Homero, Sófocles e Ésquilo, se os historiadores não mentem. (Diga-se de passagem: eles não mentem jamais. Os fatos e as circunstâncias é que muitas vezes não se enquadram na sua evocação fidedigna…).

Beaumarchais, autor – entre outras – dessa peça saborosa que é O barbeiro de Sevilha, musicada com engenho e arte pelo grande Rossini, é autor desta frase saborosa: “É quando os cabelos começam a rarear em algumas cabeças, coroadas ou não, que os donos das ditas se voltam, com inveja e contundência, contra as cabeleiras bastas e esvoaçantes dos que a possuem”. É claro que Beaumarchais falava com experiência própria na matéria…

Já o nosso excelente Millor Fernandes, com melancolia transparente (e justificável…), não pôde evitar a construção deste poema maroto, com jeito de quadrinha popular: “A minha triste certeza/de que hoje estou de posse,/é que a minha calvície/nem ao menos é precoce…” Mas, digo eu, se não é precoce, chegou na hora certa. Qual a qual razão da tua queixa, bom Millor?

Seja como for, a verdade é que a falta de cabelo constitui uma flagrante lacuna, que os chapéus, bonés e boinas, só muito raramente minimizam, ai de nós, calvos do mundo inteiro…

Mas é de bardo supremo de Stratfor-on-Avon, o sublime Shakespeare, que vem a consolação providencial para as vítimas dessa epidemia que assola o mundo, em todas as latitudes e longitudes – a calvície. Seja ela estável ou galopante, incipiente ou definitiva.

O que disse o grande inglês, cidadão do mundo e personalidade maior da literatura universal, a propósito de uma doença de que ele próprio era uma vítima inconfundível? Eis as suas palavras sentidas: “O que o tempo, rei e senhor absoluto, nega aos homens em matéria de apêndices capilares nos crânios, dá-lhes de sobra em inteligência, matéria certamente mais fina e mais rica”.

Com essa colocação lapidar do divino Shakespeare, todos nós, calvos do mundo inteiro, podemos certamente dormir mais tranqüilos e aliviados. Infelizmente, sussurra um irmão desagarrado do “daimon” socrático aos meus ouvidos, esse alívio de modo algum provoca crescimento do cabelo. Mas que fazer? Paciência.

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