Amor, sentimento cada vez mais raro

Modernidade, disputa voraz no mercado de trabalho e individualismo. Três ingredientes básicos para a constatação de que, numa análise geral, o ser humano está cada vez mais desapegado de sentimentos profundos, como o amor. Quando se fala de amor, não é necessariamente o amor romântico, mas o amor puro e simples. O amor entre pais e filhos, irmãos e amigos. "O comportamento em relação ao amor das pessoas geralmente é reflexo da educação recebida e das experiências acumuladas ao longo dos anos", explica a psicóloga Lídia Natália Dobriansky Weber.

A maioria dos psicólogos prega que uma pessoa que teve uma infância feliz, que foi criada em um lar amoroso, tem maiores chances de ser bem sucedida no relacionamento homem-mulher e com os pares sociais, de uma maneira mais ampla. "É uma questão de como a pessoa compreende o amor desde a mais tenra idade. Se ela foi criada num lar amoroso, certamente saberá ser amável com o par e no convívio social", diz a psicóloga.

Segundo Lídia, há quatro tipos de pais e, dependendo do estilo pariental de educação adotado, dá para se traçar as tendências amorosas das crianças. Os herdeiros psicologicamente saudáveis geralmente são frutos de uma educação participativa. "Os pais sabem dosar o amor com as cobranças naturais no processo de educação. São presentes e carinhosos e conseguem encaixar horas de atenção com o trabalho."

Os permissivos são aqueles que tentam compensar a falta de atenção com liberdade absoluta – acreditam que permissividade pode ser trocada por amor. Os autoritários, em vez de carinho e atenção, submetem os filhos a um regime militar, cheio de exigências e, por fim, os negligentes, não dão amor nem limites. "Filhos submetidos a esses três tipos de educação geralmente são adultos inseguros, que quando começam a ficar íntimos de alguém, quando adultos, terminam a relação, com medo de perdê-la mais adiante. "Isso também pode acontecer com pessoas que passam por histórias de relacionamento amoroso traumáticas. Após uma decepção, ficam com tanto medo de sofrer novamente que não se aprofundam nos relacionamentos ou acabam a história antes que ela se torne mais séria", diz a psicóloga.

Outro reflexo negativo de uma educação sem carinho e amor ou de traumas por relacionamentos malfadados é o ciúme doentio, patológico. "Por vezes a pessoa que nunca teve ou perdeu o amor fica tão obssessiva para não perdê-lo de novo que sufoca o parceiro ou até mesmo os amigos."

Cumplicidade, com uma dose de concessões, é a receita

Quando se fala em amor, a primeira coisa que vem à mente é um casal apaixonado, trocando juras eternas. De fato, o amor romântico talvez seja o mais intrigante, mesmo que seja claro que ele é reflexo de outros tipos de amores, como o de pais e filhos, entre irmãos e entre amigos. Mas, se na teoria é uma questão simples, por que na prática há tanto desencontro entre homens e mulheres? Se a resposta fosse simples, a questão teria solução eficaz e todos viveriam felizes para sempre.

A psicóloga Lídia Natália Dobriansky Weber explica que o grande problema da atual geração de jovens é o conflito de valores. A maioria das pessoas hoje na faixa entre os 20 e 30 anos foi educada por pais da geração anterior à emancipação feminina. Por outro lado, as mulheres nessa faixa etária são o resultado da libertação propagada a partir da década de 70.

"Os homens estão perdidos, confusos. Eles não sabem lidar com a mulher moderna. Estão muito inseguros e não entendem que as mulheres avançaram, mas querem as mesmas coisas", diz Lídia, que é mestre na cadeira de relacionamento romântico do curso de Psicologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Com a liberação sexual da mulher, houve uma confusão entre  amor e sexo e uma conseqüente banalização dos relacionamentos entre homens e mulheres. O hábito de "ficar", que consiste em conhecer uma pessoa, trocar beijos e carícias, mas sem compromisso, se disseminou. Começou na década de 90, entre os adolescentes, e hoje é a herança de muitos adultos, propiciado muito em parte pela disseminação escancarada na mídia. "É um tema muito debatido entre meus alunos. Ficou tudo muito livre, muito fácil, sem envolvimento. O individualismo está cada vez mais forte. Muitas pessoas querem a satisfação imediata, e não a troca", afirma a psicóloga. O reflexo do hábito é o distanciamento e a ambivalência: se o hábito de ficar com a mesma pessoa se torna constante, a linha entre o que é uma relação superficial e o namoro, de fato, fica confusa. "Falta clareza nos relacionamentos. Hoje dificilmente alguém pede o outro em namoro. É tudo muito confuso."

Para Lídia, antes que a situação de desapego se agrave, as pessoas – especialmente os jovens – têm que ter em mente que o amor é altruísmo, dividir, trocar. "O amor, em sua essência, é cumplicidade, respeito e troca, com uma dose de concessões – daí a necessidade de se combater o individualismo." Em resumo, para acabar com o desencontro entre homens e mulheres, em seus conflitos ideológicos, a receita é simples. "O amor não é um jogo, uma disputa em que há um único vencedor. Os dois têm que ganhar, juntos." (GR)

Procura por agências vem crescendo

Uma prova dos desencontros amorosos é o aumento da procura de homens e mulheres por agências de casamento e encontros. Sheila Chamecki Rigler, proprietária da Par Ideal, confirma que a procura pelos serviços prestados pela agência cresce a cada ano. "As pessoas vêm em busca de estabilidade. Aqui, elas têm certeza que as pessoas que estão cadastradas querem, de fato, um relacionamento de amor adulto", explica.

A maioria dos clientes cadastrados reclama dos desencontros da vida moderna e individualista e alegam que, com a liberação da mulher ficou mais fácil encontrar alguém para ficar, mas muito mais difícil encontrar alguém a fim de um relacionamento sério, baseado no amor, com trocas e cumplicidade. "No fundo, a minoria das pessoas quer ficar sozinha, mesmo fazendo parte de um contexto individualista. Só que há um desencontro de valores muito grande. As mulheres mudaram, mas os homens continuam os mesmos, machistas", acredita Sheila.

Uma prova disso é que, em muitos períodos do ano, a agência tem o maior cadastro de homens, especialmente entre os 21 e 28 anos. "As mulheres nessa faixa etária estão na briga por um lugar ao sol e costumam abrir mão de relacionamentos estáveis em prol da carreira. Já os homens que nos procuram querem começar a construir uma relação visando o casamento."

A partir da faixa etária dos 30 anos, Sheila diz que o número de solteiras em busca de um relacionamento estável começa a crescer, o que é natural em função da proporção entre homens e mulheres. "Há mais mulheres no mercado e quando elas se flagram de que passaram dos 30 e estão sozinhas, partem em busca de um companheiro amoroso."

No fundo, o que tanto homens quanto mulheres querem é companheirismo, uma troca de carinhos e cuidados. "Os números não mentem. Quase 100% das pessoas citam o companheirismo como qualidade principal do parceiro desejado. As pessoas estão se sentindo muito sozinhas no mundo moderno", conclui Sheila. (GR)

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