Oferecer água a um imigrante que entrou ilegalmente nos EUA agora pode dar cadeia. Voluntários e ativistas que por anos mantiveram uma coexistência amigável com a patrulha de fronteira passaram a relatar prisões e condenações nos últimos dois anos por ajudar pessoas que atravessaram o deserto do Arizona e do Texas para tentar viver nos EUA.
Os “bons samaritanos”, como são chamados pelos imigrantes aqueles que prestam esse serviço humanitário, dizem estar sendo criminalizados pelo governo de Donald Trump na sua repressão às travessias ilegais. Agentes do governo dizem estar simplesmente cumprindo a lei.
Segundo reportagem da NPR, rádio pública americana, as prisões de pessoas que fornecem comida ou protegem imigrantes crescem desde 2017, quando o então secretário de Justiça, Jeff Sessions, ordenou a procuradores federais priorizar casos de acobertamento para punir as chamadas “cidades santuários”, que ajudam imigrantes ilegais.
Dados citados pela NPR, confirmados pela Syracuse University, mostram que, no ano fiscal de 2018, houve mais de 4,5 mil pessoas indiciadas por “trazer e abrigar imigrantes”. Trata-se de um aumento de mais de 30% desde 2015. “Com esses processos, o governo está dizendo que sua política de tolerância zero vale também para os ‘bons samaritanos'”, disse Ranjana Natarajan, diretor da Clínica de Direitos Civis da Escola de Direito da Universidade do Texas.
O geógrafo Scott Warren deve ser julgado esta semana e, se condenado, pode pegar até 20 anos de cadeia por “tráfico humano”. Nesta terça-feira, 28, em relato na primeira pessoa ao jornal Washington Post, ele contou que ajudou dois imigrantes fornecendo comida e atendimento médico em um local chamado Barn, no Arizona, após a travessia no México. Quando os dois se preparavam para seguir viagem, patrulheiros da fronteira chegaram, algemaram os três e os levaram presos. Os agentes disseram que o estavam prendendo por fornecer “comida, água, roupas limpas e cama” para os imigrantes.
Ele explicou que políticas de fronteira mais rigorosas estão levando os imigrantes a seguir por territórios cada vez mais hostis e remotos – e muitos não sobrevivem. Na cidade de Ajo, no Arizona, dezenas de corpos são encontrados todos os anos e muitos outros continuarão lá sem serem descobertos. Ajudar esses imigrantes é uma prática dos moradores de Ajo, segundo Warren.
O bom relacionamento que existia entre os voluntários e os agentes de fronteira mudou, segundo ele, e o governo passou a fechar o cerco, negando permissões para entrar em reservas naturais, por onde geralmente passam os imigrantes, e destruindo os galões de água que são deixados pelos voluntários no deserto.
Além disso, muitos voluntários têm sido presos e multados em US$ 10 mil por entrar em reservas e “abandonar propriedade” – quando são deixados galões de água e comida enlatada para os imigrantes.
Foi o que aconteceu com quatro voluntárias da ONG No More Deaths. Em um julgamento de três dias em um tribunal federal de Tucson, no Texas, elas foram consideradas culpadas e podem ser condenadas a 6 meses de prisão.
A americana Teresa Todd, advogada do governo que vive na região desértica do Parque Nacional de Big Bend, disse que seu lado mãe falou mais alto quando três jovens salvadorenhos acenaram para ela tarde da noite pedindo socorro numa rodovia do Texas.
Um deles, segundo ela, parecia estar ferido. Teresa conta que, enquanto buscava uma orientação legal com um amigo sobre o que fazer, com os três dentro de seu carro, um xerife patrulheiro a abordou, começou a ler seus direitos e acusá-la de transportar imigrantes ilegais.
Ela não foi indiciada, mas seu caso continua em aberto. “Há algo maior em jogo aqui. Esta política de tolerância zero envia uma mensagem que tenta impedir as pessoas de ajudarem as outras.” (Com agências internacionais).
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.