A aprovação da Lei n.º 144/2005, que formalizou a obrigatoriedade do ensino fundamental de nove anos, já começa a gerar discussões sobre as propostas pedagógicas e adaptações dos municípios à nova demanda. A lei vai obrigar a entrada das crianças mais cedo na escola, a partir dos seis anos, refletindo em todo o Brasil o que muitos municípios já vêm experimentando há algum tempo nos ensinos público e privado. De modo geral, apesar das ressalvas e das adaptações que muitas escolas devem sofrer, o aumento de mais um ano para o ensino fundamental tem a aprovação dos diversos setores da educação.
O modelo de nove anos para o ensino fundamental é reflexo do que já vem sendo adotado há tempos por países europeus e latino-americanos vizinhos nossos, como Argentina e Uruguai. Apesar de muitas redes de ensino terem se antecipado à lei, a obrigatoriedade é, para o Ministério da Educação (MEC), uma forma de garantir o direito à aprendizagem mais cedo e de forma mais eficiente às crianças. ?A ampliação vai propiciar um tempo maior de convívio escolar e isso acarreta em maiores oportunidades de aprendizagem, não apenas por essa ampliação, mas pelo acompanhamento de um debate sobre o espaço da escola e as questões curriculares?, define a diretora de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental da Secretaria de Educação Básica do MEC, Jeanete Beauchamp.
A importância da entrada mais cedo na escola já vem sendo observada, segundo ela, em diversas cidades que experimentaram colocar as crianças um pouco mais novas no ensino fundamental e colheram bons frutos desse incentivo, que é dado pelo MEC à educação pública e privada há alguns anos. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996 já contemplava a idéia e a Lei 10.172, de 2001, que aprovou o Plano Nacional de Educação, também tornou o ensino fundamental de nove anos meta da educação nacional. ?Agora estamos apenas implementando essas propostas que já foram assinaladas.? Tanto que, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) de 2004, 1.192 municípios em 13 estados adotam na rede municipal o ensino fundamental de nove anos. O Censo Escolar dá conta ainda do aumento dessa adesão de 2003 para cá. Naquele ano, 3,9 milhões de alunos de todo o Brasil já estavam matriculados no ensino fundamental de nove anos, em 11.510 escolas brasileiras. Em 2005, esse número saltou para 8,1 milhões de alunos em 25 mil escolas. O Paraná, porém, ainda engatinha na adesão: segundo o MEC, apenas sete municípios do Estado já estabeleceram a medida, com destaque para Curitiba, Cornélio Procópio, Fazenda Rio Grande e Guarapuava.
Outro fator a ser levado em conta: como a educação infantil (conhecida como pré-escola) não é uma obrigatoriedade, ampliar o ensino fundamental em forma de lei é uma maneira de fazer a criança começar mais cedo e, assim, ter melhores oportunidades de aprendizagem. ?Entre as crianças de seis anos, 81,7% já estão na escola, sendo 38,9% na educação infantil, 13% em classes de alfabetização e 29,6% no ensino fundamental?, cita Jeanete, com base nos dados do censo educacional de 2000.
No ano passado, a Educação Básica distribuiu um documento com orientações gerais quanto às diretrizes curriculares da educação infantil. ?Há um trabalho voltado para a socialização da criança, aprendizagem e habilidade de comportamentos, que envolve também o letramento?, explica Jeanete. Nesse ínterim, alfabetização e outras formas de expressão, como a corporal, são misturadas. ?Se há trabalho conjunto entre educação infantil e ensino fundamental, há também um processo sem traumas para as crianças. E a obrigatoriedade vai possibilitar que todas entrem mais cedo, o que democratiza o ensino?, enfatiza.
Propostas pedagógicas terão de sofrer alterações
Os educadores elogiam a medida governamental, mas fazem observações. A primeira delas é com relação à preparação dos professores ao lidar com alfabetização em uma idade em que o lúdico precisa de bastante espaço. ?Não é um primeiro ano como era com as crianças de sete anos. Os municípios vão ter de alterar suas propostas pedagógicas e as escolas, imaginando que essa criança precisa ser respeitada na sua infância, pensar em uma alfabetização diferente, voltada para o lúdico, lembrando que ela gosta não só de ler e escrever, mas também da fantasia?, explica a mestre em Educação e vice-coordenadora do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Valéria Milena. ?Ela tem de brincar, desenvolver a curiosidade, uma série de coisas que não podem ser atropeladas.?
Nesse contexto, aparece a formação do pedagogo. ?Até pouco tempo, os currículos de Pedagogia e do magistério tinham poucas disciplinas na área de educação infantil e que pensem a infância. Mas já existe essa preocupação?, observa. E o que vale para os métodos deve ser aplicado também na infra-estrutura das escolas. A adaptação física pode incluir desde banheiros, tipo das carteiras e quadros mais baixos até inclusão de espaço para as brincadeiras. ?Mas a questão do espaço deve estar atrelada ao conceito do tempo, imaginando como se daria essa transição em ambos os aspectos?, ressalta.
A professora Valéria Milena faz apenas uma crítica quanto a uma das propostas originais de adaptação do ensino fundamental. ?O governo dizia estar adotando essa medida para evitar o fracasso no início da vida escolar. Mas a idéia é muito mais ampla. A gente compreende a criança como um sujeito de direito, que está na escola para ser alfabetizada de forma adequada?, ressalta. Entra em cena o fantasma da reprovação, que, temem alguns, pode se tornar mais comum e ainda mais traumático com a nova lei. ?É incompatível com toda a lógica que se quer trabalhar. Podemos começar o processo de alfabetização mais cedo, mas é preciso dar tempo para essa criança, ainda que ela não tenha conseguido ler e escrever no final do ano letivo?, acredita a educadora. (LM)
Curitiba adota o modelo desde 1999
Desde 1999, a rede municipal de ensino em Curitiba aplica o ensino fundamental em nove anos. E apesar de ainda não haver um nome oficial para este novo primeiro ano – especula-se que deva continuar se chamando primeiro ano e a oitava série seja nomeada como nona -, na capital paranaense a nomenclatura é etapa inicial. Das 167 escolas municipais da cidade, somente três ainda não a adotaram. No entanto, apesar do avanço, para a secretária municipal de Educação, Eleonora Fruet, mais importante que investir no tempo de escolaridade é aplicar recursos e trabalho em qualidade de ensino e na permanência das crianças na escola.
O número de alunos matriculados na etapa inicial em Curitiba atingiu este ano a mesma média do ano passado, cerca de 16 mil alunos. Como a cidade elimina a fase do impacto na implementação, agora em forma de lei, a secretária aponta um desafio ainda maior. ?O paranaense passa em média 6,8 anos na escola, mas seria preciso no mínimo onze ou doze anos. É importante investir na obrigatoriedade de aumentar a carga horária, mas também em oferecer qualidade. São necessárias propostas pedagógicas que dêem conta desse modelo?, especifica.
Apesar das metas ainda não alcançadas, pela experiência de Curitiba, Eleonora acredita que a obrigatoriedade trará benefícios ao restante do Paraná. ?Deve ter impacto muito favorável para os municípios menores e médios, porque boa parte das capitais já implantou este nono ano. Além disso, é importante que a criança vá o quanto antes para a escola. É melhor para o futuro dela do ponto de vista da aprendizagem e a obrigatoriedade faz diferença neste sentido?, frisa. (LM)
Mudança vai onerar as prefeituras
As adaptações que os municípios terão de fazer nas escolas públicas certamente envolverão gastos das prefeituras, que esperam contar com a ajuda do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Porém, para o presidente da Associação dos Municípios do Paraná (AMP) e prefeito de Nova Olímpia, Luiz Lázaro Sorvos, as cidades onde a educação infantil já é utilizada nas creches devem ter mais facilidade para promover essa adaptação.
O Fundeb está para ser implantado como substituto do Fundef, fundo que atualmente contempla somente o ensino fundamental. A diferença é que o ensino médio e educação infantil também vão contar com a ajuda do Fundeb, o que, para o presidente da AMP, já é um grande passo para o sucesso do ensino fundamental acrescido de um ano. ?A criança vai mais alicerçada para o ensino fundamental em virtude da educação infantil. O meu município, por exemplo, já faz a educação infantil há alguns anos. O resultado é sem comparação, porque a criança vai praticamente alfabetizada para o ensino fundamental. Facilita o plano pedagógico?, compara. A educação infantil consiste em aplicar, ainda nas creches, os conceitos de aprendizagem e convívio com as letras e não apenas o cuidado de alimentação e higiene das crianças.
Os recursos prometidos para o Fundeb chegam a R$ 400 milhões para todo o Brasil, R$ 20 milhões somente para o Paraná, dependendo do número de matrículas. ?Não é difícil adaptar as escolas para isso, a dificuldade maior é ter recursos, inclusive carimbados especificamente para essa transição?, opina o presidente da AMP, que, por enquanto, ainda não tem um levantamento preciso sobre quanto os municípios paranaenses gastariam em média para promover a adaptação, desde infra-estrutura até capacitação profissional e adaptação, de material didático. ?De qualquer forma, não é pouco dinheiro. Mas o país que quer avançar e se desenvolver precisa perder a dó de investir em educação.? (LM)
