Foto: Ciciro Back/O Estado |
R.S.S conta que aos 9 anos já havia entrado no mundo do crime. Seus pais se separaram porque a mãe cansou de apanhar do marido. continua após a publicidade |
Eles são adolescentes, mas não estão no shopping, na praia ou curtindo festas. Estão trancados, cumprindo pena porque cometeram crimes. Mas quem são eles? O que aconteceu em suas vidas que, antes mesmo da maturidade, já foram parar atrás das grades? Que caminhos seguiram para chegar a esta situação? A resposta para essas perguntas pode ser encontrada nas pesquisas sobre o perfil socioeconômico dos adolescentes que estão cumprindo medidas socioeducativas. Mas elas ganham mais sentido quando a história é contada por eles mesmos.
A diretora do Educandário São Francisco, em Curitiba, Solimar de Gouveia, fala que todos os jovens têm uma história de vida complicada. O abandono é uma ferida que a maioria carrega e falar sobre isso não é fácil. R.S.S., 17 anos, conta que aos 9 já havia entrado na vida do crime. Nessa época, os pais se separaram porque a mãe cansou de apanhar do marido. ?Era triste ver meu pai daquele jeito?, conta.
A mãe, que até então não trabalhava, virou empregada doméstica para sustentar a ele e aos três irmãos. O pai formou outra família e nunca visitou R.S.S., muito menos ajudou financeiramente. Como a situação da família era apertada e ele queria dinheiro para curtir e comprar o que quisesse, começou a roubar.
Começou furtando carteiras e aos 11 anos já arrombava casas. A mãe trabalhava o dia todo e não sabia o que estava acontecendo. ?Quando me perguntava onde havia andado, mentia que estava jogando futebol. Achava que a rua era a melhor coisa do mundo, nunca faltava dinheiro?, diz. Depois que a mãe arrumou um companheiro, R.S.S. foi morar com a avó e continuou na vida do crime. A família só descobriu quando ele começou a ser preso. Mas a essa altura já era usuário de maconha e vendia drogas. O irmão dele, aos 13 anos, também chegou a ser preso.
Para R.S.S., a escola perdeu a graça quando estava na 5.ª série e agora, depois de um ano internado, cumprindo medida socioeducativa, está terminado a 8.ª série. Diz que o pai fez muita falta e espera ser um pai melhor para a filha de 8 meses. Mas ele ainda precisa resolver para onde vai depois que sair do educandário. Para a cidade onde morava não pode voltar. Lá fez muitos inimigos.
A vida de R.F., 17 anos, foi sossegada até os sete anos. Morava com os pais e os irmãos tomando conta de um sítio. Mas um dia o pai sofreu um acidente e a família teve que ir para a cidade. Segundo R.F., o irmão mais velho reagiu a um assalto e o ladrão, meses depois, voltou para o acerto de contas. A morte do irmão desestruturou toda a família. O pai começou a beber e a fumar e não demorou muito para falecer e R.F. resolver sair da escola quando cursava a 5.ª série. Lembra que os colegas ficavam dizendo para ele não deixar a morte do irmão barata. ?Diziam que o meu irmão faria a mesma coisa por mim, então passei a procurar o cara?, fala. Foi aí que começou a usar drogas e comprou uma arma. Um outro irmão também ficou revoltado com a situação e jurou vingança. Tentou acertar as contas com o assassino, mas também foi morto em uma emboscada. Levou cinco tiros nas costas. O irmão de 15 anos teve o mesmo fim. Enquanto R.F. conta a história, não esconde a tristeza em lembrar das mortes. ?Se todos estivessem vivos, eu não estaria aqui?, avalia. Há dois meses está no educandário e ainda não sabe ao certo quanto tempo vai ficar. Ele também não pode voltar para a cidade onde morava. ?É cadeia ou caixão?, diz.
G.F., 17 anos, também não foi criado pelos pais. Morou com a avó, mas aos 9 anos a sua casa já era a rua. Parou de estudar na 5.ª série. Criava muita confusão na escola. Aos 10 anos, a mãe resolveu tomar conta dele, mas quando foi buscá-lo morreu em um acidente de carro e a vida de crimes continuou. No início cuidava de carros para juntar dinheiro, comprar maconha e viajar. Depois começou a roubar e se envolveu com o crack. ?Eu aprontava demais na rua. Todo mundo me conhecia até que fui preso. Já ouvi muito tiro pipocar no ouvido, mas nunca fui atingido?, lembra. Depois de cumprir uma medida socioeducativa voltou para a sua cidade e para as mesmas companhias. Como precisava de dinheiro para ir a uma festa, roubou uma televisão, foi detido mais uma vez e voltou para o educandário. ?Me arrependo do que fiz. Uma hora o cara pára para pensar. Tenho pena da minha avó?, diz. G.F. diz que não tem medo de voltar para a mesma cidade, nunca fez inimizades e sempre pagou o que devia. No entanto, reconhece que os colegas que tinha não combinam com o tipo de vida que diz querer levar de agora em diante.
Estatísticas mostram que poucos moram com os pais
Mas além da história desses três jovens, as respostas para tanta agressividade podem ser encontradas no perfil dos internos do Educandário São Francisco. As estatísticas dão uma dimensão do quadro social. Apenas 38% deles moravam com os pais antes de serem detidos e 11% eram órfãos.
A diretora do educandário, Solimar de Gouveia, afirma que a ausência da família é muito grande e as histórias de violência e alcoolismo são muitas. ?O pai é que faz a intermediação do filho com a sociedade. A sua ausência dificulta a internalização da lei, dos limites?, avalia Solimar.
A assessora do governo do Estado para assuntos relativos a infratores, Paula Gomide, estuda o assunto há 25 anos e confirma: ?Se os jovens tivessem famílias estruturadas não estariam nessa situação?, diz. Ela explica que nessa área as pesquisas são bem coerentes e os resultados apontam sempre na mesma direção. Adolescentes agressivos, que usam drogas e cometem delitos são filhos de pais que não tinham práticas positivas de educação.
Todos os adolescentes têm um histórico de negligência, rejeição, violência física ou psicológica. Paula diz que as pesquisas mostraram que até 95% foram espancados durante a primeira infância. Além disso, 53% deles são filhos de pais infratores e outros têm tios ou avôs na mesma situação. O modelo que conhecem é o do crime.
No entanto, Paula não coloca a culpa nos pais. Explica que são vítimas do mesmo sistema e não sabem como agir. Precisam de ajuda. Para ela a culpa é do poder público, que não tem investido em políticas sociais. Hoje muitas mulheres são abusadas, espancadas e não têm habilidades maternas para educar os filhos. A única forma que encontram é o espancamento. Elas precisam de cuidados, de atendimento psicológico e de piscoterapia. ?Apesar de o filho ser capaz até de roubá-la, tudo o que ele quer é carinho?, avalia. Segundo ela, se a família e o adolescente começassem a receber atendimento assim que surgisse o primeiro delito, a situação não chegaria ao ponto em que está hoje. (EW)
Reinserção social depende da estrutura da família
As famílias desestruturadas também dificultam a reinserção social. O adolescente volta para os mesmos problemas. A responsabilidade sobre isso é do próprio município, mas são poucos os que apresentam projetos sociais nessa área.
Para Paula Gomide, os empresários também deveriam fazer a sua parte. Enquanto cumprem as medidas socioeducativas, os adolescentes voltam a estudar e se qualificam para o mercado de trabalho, mas depois que saem esbarram na falta de emprego. ?A mentalidade que se tem hoje é que vai tirar a vaga de um pai de família. No entanto, este jovem sem apoio volta para o crime e vai matar a filha dele logo ali na frente?, exemplifica. O governo do Estado vem oferecendo trabalho para os jovens que saem do sistema nas empresas públicas. Hoje são 140 beneficiados e até o final do ano devem ser 700.
Mas não é só isso que influencia no sucesso da reinserção social. O trabalho realizado dentro dos educandários não vinha apresentando bons resultados. Durante muitos anos o setor ficou abandonado e os técnicos que atuavam junto aos jovens não passavam por treinamento. Há um ano, depois da rebelião no Educandário São Francisco, o governo do Estado anunciou mudanças e a construção de mais seis unidades, melhorando o atendimento.
Hoje, ao todo, o sistema atende 700 jovens, distribuídos em 17 unidades, sendo cinco de internação e 11 de internação provisória, enquanto esperam julgamento. Os jovens podem permanecer até 3 anos internados e são reavaliados a cada seis meses. Ainda não existem estatísticas confiáveis sobre a reincidência, mas o governo do Estado vem trabalhando para resolver este problema. Paula acha que as medidas tomadas pelo governo vão se refletir de modo positivo nesses números e a tendência é que a volta à criminalidade diminua. (EW)