Acelera consumo de drogas sintéticas

A disseminação da chamada cápsula de vento, uma droga alucinógena muito mais potente que o ecstasy, é reflexo de uma tendência confirmada pelo Relatório Mundial sobre Drogas de 2005. Elaborado pelo escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (Unodc), o estudo revela um aumento significativo no Brasil do consumo de drogas sintéticas, que recebem esse nome por serem produzidas em laboratórios. As anfetaminas, o ecstasy e o LSD são as mais conhecidas.

No cálculo da ONU, entre 1990 e 1991, foram apreendidas 4 toneladas de drogas sintéticas. Dez anos depois, o número subiu para 40 toneladas no mundo. Por ano, estima-se que sejam produzidas 500 toneladas, para o uso de aproximadamente 40 milhões de pessoas. Isso corresponde a 1% da população mundial acima de 15 anos.

O número de consumidores ainda é considerado pequeno, se comparado ao dos consumidores de outras drogas, como maconha, cocaína ou o álcool, que é lícito, mas mata infinitamente mais que qualquer outra droga proibida. Porém, o que chama atenção no estudo é o crescimento acelerado e a classe social onde as drogas sintéticas circulam. Consumidores e traficantes costumam ser das classes A e B, que negociam as drogas infiltrados em faculdades, cursinhos e festas.

Para a administradora da clínica Nova Esperança, Aracélis Copedê, o grande perigo desse tipo de droga está em sua banalização. ?Muitos jovens, cada vez mais novos, aderiram à cultura de que a droga sintética não mata e pode ser a complementação perfeita para uma boa balada?, diz.

A questão é que as conseqüências das drogas sintéticas são imprevisíveis, já que o sistema nervoso de cada pessoa apresenta um tipo de reflexo. ?Às vezes a pessoa já tem algum tipo de problema psiquiátrico sem saber, que pode ser deflagrado com o uso da droga?, diz o médico Luiz Antônio Marques de Mendonça. No caso do LSD, o risco de morte é grande devido às alucinações que são provocadas pelo consumo. ?As alucinações podem ser tão fortes que a pessoa pensa que tem asas e se joga do alto de um prédio ou imagina ser o super-homem e tenta parar um ônibus?, exemplifica o médico.

No ecstasy, o perigo maior é o organismo do usuário sucumbir à desidratação, já que no período do efeito da droga o corpo fica sob excitação, podendo agüentar algumas horas dançando freneticamente. ?Por vezes a pessoa nem nota o quanto está perdendo de água e, se não há a reposição, o corpo pode desidratar. Fora a estafa, que não é notada. E se consumido concomitante com o álcool, o ecstasy pode causar morte por parada cardíaca?, explica o médico. Na Inglaterra, como medida desesperada para impedir o reflexo do uso da droga no organismo, hoje as casas noturnas são obrigadas a disponibilizar água gratuita em pontos estratégicos.

Depois da euforia inicial, desespero

A jovem Júlia (nome fictício), 24 anos, resume a experiência que teve com a cápsula de vento, uma droga sintética concentradíssima, como a satisfação de uma curiosidade, ao preço de um resultado péssimo e apavorante. Ela utilizou a droga apenas uma vez e o surto foi tão grande que só agora, depois de 50 dias de internamento, ela poderá sair da clínica.

?Fui visitar um candidato a namorado em Florianópolis e lá, ele dissolveu a cápsula no meu refrigerante. Depois de alguns minutos de euforia, veio o desespero.?

Júlia começou a se sentir perseguida e vigiada e, em desespero, passou a enviar várias mensagens de celular para mãe, Andréa, que foi imediatamente buscá-la. ?Ela estava transtornada, com as pupilas dilatadas. As roupas haviam sido extraviadas e ela apontava as pessoas na rua, acusando-as de estarem com suas roupas.?

De volta a Curitiba, Júlia ficou dois dias dentro de casa e muitas vezes não reconhecia a própria mãe. ?Pedi para ser internada e estou me recuperando. O conselho que dou às pessoas é que não entrem nessa, porque você nunca sabe como o seu corpo vai reagir.? Durante todo o tratamento, a mãe de Júlia pôde acompanhá-la de perto, vendo o seu progresso e torcendo pela sua recuperação. (GR)

Cresce atendimento em clínicas especializadas

Apesar de o médico Luiz Antônio Marques Mendonça ressaltar que as drogas sintéticas não necessariamente criam dependência, muitas vezes o tratamento é necessário. ?As drogas sintéticas costumam provocar uma desorganização mental, que pode resultar em distúrbios psicológicos. Em resumo, sabemos como começa, mas nunca sabemos onde vai terminar.?

Na clínica Nova Esperança, especializada em tratamento de dependentes químicos, o atendimento se estendeu aos consumidores de drogas sintéticas e cresce consideravelmente. Em 2004, a clínica atendeu 15 casos e este ano, já foram 45. Atualmente, há quatro jovens sob tratamento. ?É um dado concreto que nos forçou a fazer adaptações no tratamento. A entrada na clínica é extremamente delicada, já que geralmente os jovens são internados ainda sob os efeitos da droga?, diz a administradora da Nova Esperança, Aracélis Copedê. Como muitas vezes o reflexo do paciente é o medo, eles costumam ficar arredios nos primeiros contatos.

?Nos primeiros dias o cuidado com acidentes é grande, já que a pessoa alucinada pode se ferir, ou aos outros?, diz o médico. Posteriormente, é iniciado um trabalho terapêutico, que conta com a ajuda da família, troca de experiências com outros internados e conversa com psicólogos. Paralelo ao tratamento psicológico, geralmente há um tratamento com medicamentos, prescritos por um psiquiatra. O período do tratamento depende da reação de cada paciente a ele. (GR)

Poder público começa a adotar medidas para enfrentar o problema

O poder público já dá os primeiros sinais de alerta para o problema que envolve jovens e drogas sintéticas. Apesar das ações ainda tímidas, há a ciência do aumento de consumo. Tanto é verdade que a intenção da Secretaria de Justiça é incrementar a parceria com as secretarias de Segurança Pública e Saúde, de modo a atingir com maior eficiência o vértice do problema.

?O nosso trabalho antidroga não é específico para as sintéticas, mas as engloba também. Temos realmente observado o aumento do consumo e nossa intenção é usar a repressão como prevenção?, diz Cleuza Canaã, da Secretaria de Justiça. Defendendo a teoria de que drogas ilícitas têm como porta de entrada o álcool, a Secretaria de Justiça vem brigando para limitar o horário de venda de bebidas alcóolicas em todo o Paraná. ?Nas cidades que já adotaram o horário de 22h para o fechamento dos bares, registramos redução no consumo e tráfico de outras drogas. Por isso, esse é um dos pontos de repressão que defendemos.?

Outra arma das secretarias é o disque denúncia (181). Como a droga sintética é impossível de ser encontrada via satélite, já que geralmente é produzida em laboratórios clandestinos, Cleuza explica que a saída é apelar para a população. ?Através de denúncias anônimas podemos saber quem são os traficantes e por onde circulam?, diz. No caso específico das drogas sintéticas, ela diz que as denúncias são cada vez maiores e acabam normalmente levando a traficantes que circulam pelas festas que varam a madrugada.

O Coronel Costa, que trabalha diretamente com o disque denúncia, diz que a polícia militar não tem muito a fazer além de ir atrás das informações prestadas por anônimos, já que batidas policiais em festas afugentam instantaneamente os traficantes. ?Tanto quem negocia, quanto quem consome, ou dá um jeito de sair do local ou se desfaz da droga, já que comprimidos são facilmente eliminados?, diz o policial. Ele destaca que esse tipo de droga é consumida por jovens de alto poder aquisitivo. ?Daí o mercado estar em crescimento acelerado, já que se tornou algo lucrativo para os traficantes?, lamenta. (GR)

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo