A menina da Lagoa

d6a.jpgFrutos de paixões descontroladas e da irresponsabilidade sexual, muitos fetos e recém-nascidos já foram encontrados no mato, em latas de lixo, no esgoto. A enigmática mãe mineira pretendia chamá-la Iara – senhora das águas -, provisoriamente registraram-na como Letícia, mas se fosse menino bem que poderia chamar-se Moisés. Mas há uma diferença fundamental. Enquanto o profeta bíblico foi largado pela mãe nas águas do Nilo num cesto de papiro para escapar à fúria do faraó, Letícia foi jogada num saco de plástico preso a um pedaço de madeira também pela mãe, mas para morrer. Ou não? Por que Simone teria escolhido este meio e não outro qualquer para se livrar da filha indesejada? Quem pode saber? Talvez nem ela própria tenha a resposta.

A reencarnação de Letícia, de fato, começou muito complicada. Até agora não se sabe quem é o pai. Teve que lutar uma primeira vez pela vida durante dois meses na maternidade porque nasceu prematura. E agora já enfrentou a batalha na Lagoa da Pampulha. Vale destacar aqui três perguntas de Allan Kardec dirigidas aos mentores que orientaram a elaboração da obra basilar do Espiritismo, O Livro dos Espíritos. Na questão 851, o Codificador indaga a respeito da possível existência da fatalidade nos acontecimentos da vida. "A fatalidade não existe senão pela escolha que fez o espírito (…) de suportar tal prova. Escolhendo, traça uma espécie de destino que é a conseqüência mesma da posição em que se encontra. Falo das provas físicas porque o que é prova moral, o espírito, conservando seu livre-arbítrio sobre o bem e o mal, é sempre senhor de ceder ou resistir" .

Nas duas seguintes, o professor Rivail (agora Allan Kardec) faz notar que para certas pessoas a infelicidade parece estar em seu destino, até com perigo de morte, tudo independente de sua vontade. Nas respostas, a informação ratifica a escolha das provas, alertando, porém, que muitas vezes, as vicissitudes são resultantes de erros cometidos no presente e quanto à morte, garantem que se não tiver chegado a hora o indivíduo não perecerá.

Esta afirmação de que "não há nada de fatal, no verdadeiro sentido da palavra, senão o instante da morte" tem-nos provocado muitas reflexões. Por exemplo: uma vítima de homicídio traria já ao reencarnar, além do gênero violento da morte, a data marcada para a mesma se verificar? Como possível se o autor, aquele que provocará a mesma, por se tratar de um fato moral, não vem com tal predestinação, dependendo, pois, de seu livre-arbítrio executar ou não o ato e definir o momento para tal? Uma bala perdida estaria programada para atingir uma pessoa que, aos olhos humanos, era uma vítima inocente? Quando alguém é salvo por uma medalhinha, moeda ou caneta que serve de anteparo ao projétil, foi pela Providência Divina, pois que não havia chegado o momento previsto para sua morte? Algumas destas respostas podem ser deduzidas do estudo da própria obra supracitada, porém, há casos que desafiam o bom senso, por não se encaixar totalmente. Talvez exceções à regra, talvez porque nossa inteligência não esteja habilitada a compreender certas nuanças, especialmente as engendradas em outros cenários do tempo e do espaço.

De qualquer forma, Letícia talvez tenha sido resgatada da lagoa, não para dar continuidade a uma vida de sofrimentos expiatórios cujas causas tenham origem em vidas passadas, mas, como Moisés, para a realização de grandes feitos ou, no mínimo, para sacudir corações e mentes humanas para problemas sociais e os insondáveis da alma. Independentemente do que venha acontecer a ela no futuro, já é uma vencedora, profeta da vida, síntese paradoxal da ausência do amor materno e presença providencial da espiritualidade que conduziu o casal até ela pela motivação de supostamente dispensar cuidados a um pobre gato. A solidariedade alheia se encarregou do resto.

Mas e quanto à mãe desnaturada? O que a levou a tomar tal atitude? Depressão pós-parto? Parece que havia mais do que isso. Instabilidade emocional e agressividade materializada em violência expressa, como caracterizou um ex-namorado? Mas uma enfermeira declarou que na maternidade ela agia como uma mãe normal, atenciosa e dedicada.

Quem pode julgar? A justiça humana o fará. Melhor confiar nela. No momento está detida. "Na medida como julgardes, também sereis julgados"; "atire a primeira pedra aquele que estiver sem pecado". Certo, quem de nós seria capaz de ato tão bárbaro? Mas não cometemos outros atos reprováveis? Na área afetivo-sexual mesmo, quantos de nós quebramos os vínculos de fidelidade jurada aos cônjuges? Nunca enganamos, mentimos, alimentamos falsas ilusões? Não fomos imprudentes alguma vez? Não abusamos das divinas forças colocadas por Deus em nosso espírito com a finalidade justa da preservação da espécie e de permuta energética entre as polaridades masculina e feminina que devem se complementar de forma responsável e harmônica?

Enfim, em vez de críticas acerbas, melhor fizéssemos uma oração para que Simone encontre o arrependimento o mais breve possível e busque reparar o mal causado, pois de tudo o que contrairmos em dívidas perante as leis divinas, não deixaremos de fugir ao pagamento até do último centavo. Porém, o amor, esta força extraordinária que move o universo, segundo Pedro, cobre uma multidão de pecados. Eis a boa a notícia para todos os transviados do caminho do bem.

(Assoc. de Divulgadores do Espiritismo do Paraná. E-mail: adepr@adepr.com.br)

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