Um estudo divulgado nos Estados Unidos revelou que dois terços das maiores companhias do planeta substituíram seu presidente pelo menos uma vez nos últimos cinco anos. Não é pouca coisa. Essa rotatividade mostrou-se mordaz e também alvejou executivos dos mais altos escalões das organizações. Trata-se de uma onda irreversível e moralizadora no instante que o mundo se depara com escândalos contábeis de toda natureza.
Por trás desse movimento, porém, desnuda-se as dificuldades e o fardo que se tornou dirigir uma empresa nos dias atuais. Nos bastidores desse processo, a competitividade insana inflou o apetite dos investidores e acionistas que passaram a exigir resultados cada vez melhores. Pressionados, os profissionais sucumbem diante das tentações que implicam em fama, glamour, poder e um pacote de remuneração variável e compatível com o nível de responsabilidade que exercem. A necessidade de cumprir metas, no entanto, condenou-os à vítima das próprias circunstâncias.
A onda de maquiagens das demonstrações financeiras utilizadas pelas companhias para inflar lucros e parecer mais atraentes teve um efeito mais nocivo do que os ataques terroristas comandados por Osama Bin Laden, em 11 de setembro de 2001. O mundo jamais será o mesmo depois do episódio que sepultou a Enron. As fraudes que se seguiram abalaram a já frágil saúde da economia norte-americana, que ainda contabilizava o prejuízo de US$ 4 trilhões de dólares em riquezas após o estouro da bolha especulativa. O estrago doméstico esparramou a crise global de confiança, derrubou o mercado de capitais e foi o golpe derradeiro na credibilidade dos CEOs (chief executive officer).
Depois desses eventos negativos, a governança corporativa incorporou-se à rotina empresarial e suscitou uma verdade absoluta: ética e transparência transformaram-se definitivamente num fator de sucesso do negócio. As gestões tiveram de se converter à cristalinidade, sob pena de ser atropelada pela reinvenção de novas práticas e sucumbir diante da competição.
As novas exigências ditadas pelas leis de mercado obrigaram as companhias a repensar e remodelar seus modelos de gestão. Um olhar diferenciado sobre a questão exige o predomínio da ética em todas as nuances. Trata-se, sem dúvida, do primeiro pressuposto que contemple as matrizes envolvidas no processo, e que forneça os trunfos necessários para garantir a vitória da transparência sobre a manipulação. Tornar as decisões verdadeiramente nítidas e visíveis para a cadeia de interessados é o desafio a ser alcançado. Num primeiro momento, os conselhos de administração e acionistas uniram-se para fiscalizar os atos de seus principais executivos.
Assim, o poder de decisão deixou de estar nas mãos de poucos personagens.
Dessa maneira, define-se a transparência como estratégia para definir os direitos e deveres das pessoas envolvidas na condução dos negócios.
Um ambiente arejado tende a facilitar a captação de recursos financeiros, principalmente num momento em que os investidores avaliam, reavalia e gerenciam riscos de uma operação. Num estudo divulgado pela McKinsey, com cerca de 90 instituições que administram fundos na América Latina, metade deles afirmou que as práticas do conselho são mais importantes do que o desempenho financeiro no instante de definir os investimentos. Trata-se de uma eficiente receita contra fraude. A adoção da governança corporativa corresponde a assumir um compromisso público com os princípios éticos. E foi justamente a falta deles que detonou os escândalos contábeis nos Estados Unidos.
Tais conceitos estão, ou pelo menos começam a perpetuar-se, dentro dos escritórios. Os debates em torno do papel dos conselhos de administração ganharam músculos após os escândalos financeiros. Ao acompanhar o movimento internacional, as empresas brasileiras utilizam-se dessa arma de gestão estratégica para reavaliar e rediscutir uma postura diferenciada.
O filósofo grego Platão escreveu que tudo aquilo que engana parece liberar um encanto. Ficou comprovado que alguns CEOS abusaram do direito de forjar números para obter vantagens. Nessa mesma linha de pensamento, Nicolau Maquiavel, político e escritor italiano, vaticinou que quem engana sempre encontrará alguém que se deixa enganar. Portanto, é fundamental conscientizar-se de que o exercício do poder pára pelo repensar da ética, principalmente quando remete à reflexão profunda sobre os princípios que regem a conduta. E, partindo daí, a governança corporativa transformou-se numa importante vantagem competitiva e lucrativa.
Júlio Sérgio de Souza Cardoso
é presidente da Ernst & Young Auditoria