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4 anos após Hiroshima, nasce duelo atômico

“Joe 1” era uma bomba. Uma espécie de “Zé” das armas pesadas para os analistas de Defesa dos EUA, chegava ao mundo pouco mais de quatro anos depois das explosões atômicas de Hiroshima e Nagasaki. Sobre ela, pouco se sabia até a manhã de 29 de agosto de 1949. Segundo a pesquisadora Patrice Franklin, da Universidade Notre Dame, os serviços de inteligência americanos não acreditavam que a União Soviética pudesse reunir recursos tecnológicos e financeiro. Estavam errados.

Tratada de Joe 1, em uma citação irônica a Joseph Stalin, que governou a URSS por mais de 30 anos, a bomba era um plano em evolução desde 1934, quando o físico Georgy Flyorov descreveu a teoria no Congresso de Altas Energias de Stalingrado. Em novembro de 1939, apenas dois meses depois da invasão da Polônia pelas tropas de Adolf Hitler, ele enviaria um relatório reservado para o Kremlin, alertando para a pesquisa do que chamou de “uma superarma” em centros secretos da Alemanha e, do lado dos aliados, nas universidades americanas. O empreendimento alemão foi um fiasco. O americano, um sucesso.

Iniciado em 1940, o programa russo só ganhou velocidade quando a 2.ª Guerra entrou na fase final, em 1944. Em 1946, o Laboratório n.º 2 passou a ser a sede do empreendimento. Nos documentos oficiais, era citado como “escritório” ou “armazém”. Uma cidade inteira foi construída às margens do lago Baikal para receber o pessoal de serviços gerais, militares, técnicos, especialistas e as instalações de apoio, principalmente os laboratórios.

Conhecido como “Ponto Atômico Mãe”, o complexo chegou a abrigar 50 mil pessoas, mantidas sob controle da polícia política em um regime bem parecido com o de um confinamento. Em Los Alamos, nos EUA, os 130 mil envolvidos no Projeto Manhattan, das armas atômicas americanas, estiveram submetidos ao mesmo esquema de segurança máxima.

O programa “Primeiro Relâmpago” foi entregue a dois notáveis da ciência soviética: Andrei Sakharov e Igor Kurchatov. O nome oficial do dispositivo era RDS-1. Foi detonado às 7 horas, no Casaquistão. A manhã que virou noite em 25 segundos deu início ao terror da corrida nuclear interminável. No local, a União Soviética faria perto de 500 testes atômicos até 1989. O índice de radiação em um círculo de 18 mil km² ainda hoje é considerado de alto risco.

O dispositivo que explodiu, há 70 anos, estava montado em uma torre, sem a carenagem da bomba. Era uma grande esfera com sensores, relés, conectores de energia, mecanismos de regulagem e sistemas de medição. A “fuselagem” seria usada apenas no eventual lançamento por um avião. O RDS-1 tinha núcleo de plutônio. O processo produziu 22 quilotons (o equivalente a 22 mil toneladas de dinamite) e teve um rendimento efetivo de 85%. Tudo muito parecido com as bombas americanas. A rigor, parecido demais. No início dos anos 50, seria revelado que os soviéticos haviam recebido informações secretas repassadas por uma rede de espiões que agiam nos EUA – entre eles, vários cientistas.

Os governos ocidentais foram surpreendidos pelo teste. Um relatório conjunto da CIA e do MI-6 britânico sustentava que os soviéticos só teriam capacidade para construção de armas atômicas entre 1953 e 1954. O presidente dos EUA, Harry Truman, demorou 25 dias para anunciar que a Casa Branca dispunha de “fortes evidências da ocorrência de uma explosão nuclear” na URSS. Um ano depois, o arsenal de Moscou somava cinco bombas RDS-1. A Rússia atual de Vladimir Putin estoca 8,5 mil armas, 2,7 mil delas prontas para uso imediato.

O ensaio foi uma façanha, mas não foi a maior proeza. Em 30 de outubro 1961, na ilha de Nova Zemlya, no Ártico, os soviéticos executaram com sucesso o Experimento-220, a explosão da bomba mais potente já construída – entre 50 e 57 megatons (57 milhões de toneladas de TNT). Uma encomenda direta do então do líder Nikita Kruchev ao físico Sakharov, a prova deveria servir de instrumento político na Guerra Fria – a demonstração foi feita durante a realização do 22.º Congresso do Partido Comunista, em Moscou.

Imperador

Os jornais ingleses deram à bomba o nome de “Czar”. Ela pesava 27 toneladas, tinha 8 metros de comprimento e 2 metros de diâmetro. Tudo era especial na operação. O avião transportador, um bombardeiro Tu-95 Bear, teve as portas de carga removidas para poder acomodar a peça. Para reduzir a velocidade e controlar a queda de 10,5 mil metros até a altitude de 4,2 mil metros, onde se deu a detonação, foi usado um paraquedas que pesava 800 kg. O cronômetro de bordo registrou, às 11h32, o momento do disparo.

O clarão inicial foi visto a mais de mil quilômetros de distância. A onda de calor era capaz de produzir queimaduras de 3.º grau a 100 km. O cogumelo nuclear atingiu 60 km de altura. O círculo mortal, dentro do qual não haveria sobreviventes, foi superior a 32 km. Nos 10 km mais próximos da coluna de fogo primária houve incineração total. As rochas e a superfície arenosa do solo, primeiro, derreteram, depois, vitrificaram, e grandes montanhas de gelo evaporaram. A onda de choque deu três voltas ao redor do planeta, segundo relatou o Serviço Geológico dos EUA (USGS). Mas poderia ter sido pior.

Em seu livro de memórias, Andrei Sakharov conta que a bomba teria originalmente 100 megatons. Diante da impossibilidade de prever os efeitos e as consequências de uma ruptura dessa magnitude, o físico propôs a Kruchev um redesenho redutor, cortando a capacidade pela metade. Para o cientista russo, “a bomba 220 nos revelou a face cruel de Júpiter, o aniquilador”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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