Evasão escolar ainda é um problema que preocupa no Brasil e no Paraná a situação não é diferente. Os números são gigantescos. A Secretaria de Estado da Educação (Seed) mostra os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep). No ensino fundamental, 66 mil alunos estão fora da escola e 215.600 estudantes do ensino médio estão na mesma situação. A falta de escolaridade faz com que as crianças e jovens percam a oportunidade de vencer a barreira da pobreza e acabam repetindo a situação de miséria vivida pelos pais.
Mas alguns municípios estão adotando estratégias para mudar esse quadro. Em Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba, o projeto Casa da Criança Lagoa Grande foi classificado pelo Unicef como um dos 30 melhores do Brasil e ficou entre os quatro da região Sul.
A cidade de Araucária possui muitas indústrias e a camada mais pobre da população vive mudando de casa em busca de melhores oportunidades. A escola acaba sendo a última preocupação dos pais quando o assunto é colocar comida na mesa. Não importa se o novo lar fica muito longe da escola e isso vai fazer com que as crianças faltem muito ou desistam de vez de estudar.
Além da distância, outras crianças abandonam a escola por falta de acompanhamento dos pais ou porque se sentiram desestimuladas a continuar diante de sucessivas reprovações. O programa Casa da Criança vem sendo uma ferramenta usada pela Prefeitura de Araucária para tentar diminuir a evasão na cidade. As nove casas atendem 1,6 mil crianças que vivem em situação de risco. O projeto oferece apoio escolar e outras atividades artísticas e culturais, além de alimentação.
O Unicef premiou a extensão do projeto para a zona rural, onde a evasão também existe, principalmente na época das colheitas. O Casa da Criança Lagoa Grande evita que as crianças e adolescentes abandonem a escola para ajudar os pais. A idéia é bem simples, mas faz a diferença na vida desses pequenos. Quem estuda de manhã ganha almoço e passa as tardes em várias atividades. Aprendem música, artes, dançam, praticam esportes e recebem apoio escolar. Fazem mais uma refeição e depois vão embora. Quem estuda à tarde chega cedo, toma o café da manhã, faz as mesmas atividades, almoça e vai para a escola.
A pedagoga Isolde de Siqueira, que faz o apoio escolar, diz que o número de faltas na escola diminuiu e os professores observaram uma melhora no ritmo de aprendizagem e no comportamento das crianças atendidas pelo projeto. Explica que alguns apresentavam comportamento muito agressivo e agora estão se relacionando melhor com o grupo. Para ela, os resultados são animadores.
Além da Prefeitura, a iniciativa também recebe apoio da comunidade, que cedeu o barracão para as atividades, e a Associação de Proteção à Maternidade e à Infância (APMI), que paga as contas de água e luz, entre outras.
Segundo a secretária municipal da Educação, Ivana Chemello Opis, o índice de evasão na cidade em 2004 foi de 2,17%, o que resultou em 341 alunos fora da escola. Apesar de ainda ser um número considerável, o índice está bem melhor do que o apresentado em 2002, que era de 3,5%. Na época, 550 crianças não estudavam. O projeto Lagoa Grande concorreu com cerca de 1,7 mil projetos de todo o Brasil e ficou entre os 30 melhores. No próximo dia 28 sairá o resultado final em São Paulo. Se o dinheiro for para Araucária, será investido na ampliação do projeto.
Miséria da família e descaso da escola influenciam
São várias as causas da evasão escolar. Muitas são internas, causadas pela própria escola, e outras externas, como a miséria das famílias. A professora do curso de Pedagogia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Ermelina Bontorin Thomacheski, explica que uma solução só será encontrada depois que todas as causas forem combatidas. "A evasão não é o problema, apenas a conseqüência", enfatiza.
A situação ilustrada pela cidade de Araucária se repete em outros municípios. Os pais vivem se mudando em busca da sustentação da família e a escola acaba ficando em último lugar. Muitos também não valorizam o ensino e não se importam se a criança freqüenta as aulas ou como anda o aprendizado.
Mas também cabe à escola a sua parcela de culpa. A reprovação está diretamente ligada ao abandono da sala de aula. Muitas vezes, por uma série de problemas familiares, as crianças apresentam dificuldades emocionais e os professores não dão conta de dar um atendimento diferenciado. O fracasso escolar acaba se repetindo ano após ano. "O ensino é simultâneo e não atende a diversidade", fala a pedagoga.
No entanto, é verdade que falta estrutura para apoiar os professores. Muitos alunos precisam de uma série de exames como de neurologia, audição e visão, mas acabam perdendo muito tempo na fila, à espera de um diagnóstico. Depois, enfrentam outra fila para tratamento. Todo o processo pode demorar até um ano e neste período a criança continua indo mal na escola. A conseqüência é a repetência e a evasão.
Sem estudo, a criança cresce fadada a perpetuar o ciclo de pobreza vivido pelos pais. Dificilmente o jovem vai encontrar uma boa colocação no mercado de trabalho. Alécio Rengel, 28 anos, é um exemplo de que a escola pode fazer a diferença. Filho de agricultores pobres da cidade de Imbituva, parou de estudar em 1997, depois de concluir a 8.ª série. Depois que a família se mudou para São José dos Pinhais, sentiu a necessidade de terminar o ensino médio para arranjar emprego. Retomou os estudos e fez um curso técnico de mecânica industrial. Conseguiu uma colocação em uma metalúrgica. É chefe de departamento e ganha um bom salário. "Através do estudos consegui ir mais longe do que os meus pais. Se não tivesse estudado, não estaria aqui", analisa. (EW)
Evasão escolar em Curitiba vem diminuindo ano após ano
Em 1997, o índice de evasão escolar em Curitiba era de 2,9%, o que significava cerca de três mil alunos. Em 1999 o número baixou para 1,3%, correspondente a 1,3 mil alunos. Em 2003, o índice chegou a 0,6%, cerca de 600 alunos. A diretora do Departamento de Ensino Fundamental, Nara Salamunes, acha que o número ainda é muito alto, mas é um dado positivo em comparação aos anos anteriores.
Segundo ela, todas as pesquisas sobre o assunto mostram que o problema da evasão está diretamente ligado à repetência escolar. "Se o aluno repete dois anos, ele se sente como um fracassado", comenta. A implantação do ensino em ciclos fez com que os alunos tivessem um tempo maior para aprender, diminuindo o número de repetências. Agora, os alunos são reprovados apenas no final de cada ciclo. O primeiro corresponde ao antigo pré, 1.ª e 2.ª séries e o segundo ciclo a 3.ª e 4.ª séries.
Além disso, a Prefeitura também implantou em 2003 a Ficha de Comunicação de Alunos Ausentes (Fica), que é mais específica do que a usada anteriormente – que notificava crianças em várias situações de risco. Quando o estudante falta por cinco dias consecutivos ou sete alternados, no período de um mês, a família será procurada para esclarecer o motivo da ausência. Se o aluno continuar fora da escola é a vez de o Conselho Tutelar agir e, se mesmo assim o problema continuar, o Ministério Público é acionado.
O promotor de Justiça do Centro de Apoio às Promotorias da Criança e do Adolescente, Murillo Digiacomo, afirma que o principal objetivo é orientar as famílias e, só em último caso, tomar alguma providência jurídica. Os pais podem ser processados por omissão, segundo o artigo 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente, e pela Justiça Criminal – por abandono intelectual. As ações podem resultar até na retirada da criança da família. Segundo o promotor, o MP já atendeu várias casos, mas só eventualmente chegam a esse extremo.
Mesmo assim, a evasão ainda preocupa em Curitiba. Nara diz que a Prefeitura está fazendo levantamento para saber as causas da evasão dessas 600 crianças. No entanto, de antemão, já se sabe que a maior parte está fora da escola devido aos problemas sociais que afligem as famílias, como a falta de emprego, alcoolismo, drogas, entre outros. Problemas que a escola não pode resolver. "Os pais não têm a estrutura necessária para acompanhar os filhos", observa. (EW)
Rede estadual está implantando Registro Escolar
A rede estadual de ensino também vem adotando estratégias para diminuir a evasão escolar. Este ano também implantou a Ficha de Comunicação de Alunos Ausentes (Fica) e o Programa de Mobilização para a Inclusão Escolar e Valorização da Vida. A idéia é criar uma rede de atendimento, envolvendo toda a sociedade, como as igrejas, Associações de Pais, Mestres e Funcionários (APMF), grêmios estudantis, entre outros. Todos seriam responsáveis por detectar as causas da evasão e levar os alunos de volta à escola.
Além disso, a Secretaria de Estado da Educação (Seed) também está implantando o Serviço Estadual do Registro Escolar (Sere). Com o sistema, o órgão poderá fazer um acompanhamento das faltas e tomar providências. Todo mês, as escolas precisam enviar relatórios à Seed. Hoje apenas 10 escolas dispõem do serviço, mas até o início do próximo ano letivo todas vão estar integradas ao Sere. A Seed também está desenvolvendo o Programa Mutirão Metropolitano. Estado, municípios e escola promovem o resgate do aluno em situação de risco. Em Tunas do Paraná, por exemplo, a Prefeitura está oferecendo várias atividades no contraturno da escola. "São criados ambientes de aprendizagem. As crianças em situação de risco aprendem língua portuguesa através de contos, poesias e produção de jornal. Melhoram o desempenho na escola e se sentem mais estimuladas a continuar", explica a coordenadora do Programa de Mobilização para a Inclusão Escolar e Valorização da Vida, Denise Carvalho Senhor. Além disso, participam de aulas de artes, coral e teatro.
Mas o problema da evasão escolar não atinge apenas o ensino fundamental. O problema se apresenta de forma até mais grave no ensino médio. Segundo a Seed, estão matriculados 440 mil alunos e estima-se que 49% está fora da escola. No entanto, Denise ressalta que esses números não são reais, porque muitos alunos se matriculam em mais de um colégio para garantir vaga.
Mesmo assim, ela reconhece que a quantidade de adolescentes à margem do processo educativo é grande. Denise afirma que os jovens deixam a escola para trabalhar e ajudar na renda da família. A Seed está buscando parcerias para qualificá-los e inseri-los como aprendizes no mercado de trabalho, entre outros projetos. (EW)