Multa do FGTS em face de diferenças de expurgos inflacionários: LC N.º 110/01 e prescrição

1. Introdução

O Excelso STF (RE 226.855-7-RS. Rel. Min. Moreira Alves. DJU 13.10.00) e o C. STJ (Súmula n.º 252 do STJ, DJ 13.08.01) reconheceram as diferenças de atualização, quanto aos diversos planos econômicos impostos ao País, dos depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS: 42,72% (IPC), quanto às perdas de janeiro de 1989; 44,80% (IPC), quanto às de abril de 1990; 18,02% (LBC), quanto às perdas de junho de 1987; 5,38% (BTN) para maio de 1990; e 7,00% (TR) para fevereiro de 1991.

2. A Lei Complementar n.º 110/01

A Lei Complementar n.º 110, de 29.06.01, DJ 30.06.01, definiu o procedimento para reposição de referidas perdas dos trabalhadores.

Nela está contido que a adesão a seus termos (artigo 4.º, inciso I) não se traduz em condição para o direito material, sendo suficiente, a tanto, que o requerente tenha sido empregado e beneficiário do FGTS ao tempo dos planos econômicos geradores das diferenças.

É importante frisar, também, a respeito desta lei, que a restrição contida no artigo 6.º, inciso II, condicionando o direito à diferença de atualização monetária à prévia declaração do titular da conta vinculada de que não ingressará em juízo, não se confunde com a ação para perceber a diferença de multa.

3. Competência da Justiça do Trabalho

O fato de a Justiça Federal ter competência para examinar o pedido de adoção de determinados índices para a atualização das contas vinculadas ao FGTS não implica possibilidade de exame do pedido de diferenças da multa de FGTS, pois o fato gerador da referida parcela decorre da rescisão do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, e, nessa esfera, a competência é da Justiça do Trabalho.

Frise-se, ainda, que o direito reconhecido pela Justiça Federal, condenando a CEF a incluir os expurgos inflacionários na correção dos depósitos de FGTS, inegavelmente, repercute na multa do FGTS, restando diferenças em favor do empregado, em relação ao valor recebido quando da rescisão. Entretanto, isto não autoriza o entendimento de que o pedido seria apreciado quando buscada a tutela jurisdicional na Justiça Federal, pois a multa em questão não deve ser considerada simples reflexo do direito reconhecido, mas parcela prevista na legislação celetária, cabendo, reitere-se, a essa Especializada apreciá-la em relação aos empregadores.

4. Legitimidade do ex-empregador para o pagamento

A CEF apenas é parte legítima para figurar no pólo passivo de lide relativa à correção monetária do FGTS, e não de lide trabalhista atinente aos reflexos da atualização da conta vinculada, pela adoção dos percentuais postulados.

A parte legítima para integrar e responder pela multa do FGTS dirige-se a quem a legislação trabalhista impõe o pagamento (art. 477 da CLT e art. 18, § 1.º, da Lei n.º 8.036/90).

Por conseguinte, a determinação de que a CEF credite os percentuais devidos, acarreta o direito do trabalhador dispensado posteriormente em postular diferenças do pagamento da multa do FGTS na Justiça do Trabalho. Esta obrigação sempre existiu, pois a base de cálculo, utilizada à época da rescisão, não contemplava todas as atualizações a que tinha direito o empregado, implicando em indenização inferior à devida. Assim, restaurando-se os depósitos da conta vinculada, as diferenças, quando da incidência dos 40%, relativas à multa, devem ser suportadas por quem deu causa à ruptura, não podendo, a reclamada se eximir do cumprimento da norma trabalhista.

A Lei Complementar n.º 110/01 não mais permite qualquer dúvida a respeito. Ela pacificou a controvérsia sobre a incidência da multa de 40% do FGTS sobre valores que considerem as correções pelos diversos índices decorrentes de Planos Econômicos desde 1989 até 1991.

5. Prescrição. Marco inicial

5.1. primeira corrente

A primeira corrente defende que o marco prescricional tem início a partir da rescisão contratual, ou seja, que só até dois anos decorridos após a extinção do contrato de trabalho é que subsistiria a obrigação de o empregador pagar qualquer complementação de valores de multas rescisórias (TST-RR-39030-2002-900-11-00. 5.ª T. Rel. Juiz convocado João Ghisleni Filho. DJ 08.11.02).

5.2. segunda corrente

A segunda corrente sustenta que o marco inicial para a contagem do prazo de prescrição do direito de ação é o trânsito em julgado da decisão perante a Justiça Federal e depósito das diferenças em conta vinculada do trabalhador (TST-RR-39195-2002-900-03-00. 2.ª T. Rel. Juiz convocado Decio Sebastião Daidone. DJ 13.06.03 e TST-AIRR-29557-2002-900-11-00. 3.ª T. Rel. Juíza convocada Eneida Melo).

5.3. terceira corrente

Outro entendimento é o de que a lesão ao direito à multa do FGTS deu-se com os depósitos das diferenças dos índices expurgados. Nesse momento, não paga pelo empregador a conseqüente diferença da multa, confirmou-se a lesão (TST-AIRR-3253-2002-911-11-00. 1.ª T. Rel. Min. João Oreste Dalazen. DJ 15.08.03 e TST-RR-40643-2002-900-24-00. 3.ª T. Rel. Juíza convocada Wilma Nogueira de A. Vaz da Silva).

5.4. quarta corrente

Posição intermediária, e inédita, é apresentada pelo E. TRT da 15.ª Região. Por força do Incidente de Uniformização de Jurisprudência 28.477/2003, julgado pelo Pleno daquela Corte, em 19.12.03, decidiu-se que a prescrição, no caso, conta-se a partir da publicação da LC 110/01 (30.06.01), salvo, entretanto, "quando comprovados os depósitos na conta do empregado, quando então a data do depósito deve ser o marco inicial da prescrição bienalª (TRT 15.ª Reg.-RO 01238-2003-071-15-00-9. Rel. Juiz Lorival Ferreira dos Santos. In: Revista Trabalhista. Direito e Processo. Vol. X. Rio de Janeiro: Anamatra e Forense, 2004. p. 378).

5.5. quinta corrente

Para este último grupo o prazo prescricional começou a fluir a partir da publicação da Lei Complementar n.º 110/01, ou seja, a partir do dia 30 de junho de 2001, ocasião em que foi considerada devida a atualização do saldo das contas vinculadas, e autorizada a CEF a corrigir os saldos das contas vinculadas de todos os trabalhadores brasileiros (TST-RR-878-2002-073-03-00. 2.ª T. Rel. Juiz convocado Samuel Corrêa. DJ 15.08.03 e TST-RR-243-2003-087-03-00. 4.ª T. Rel. Min. Milton Moura França. DJ 26.03.04). Observe-se, no particular, que já há, inclusive, precedente da SBDI I do C. TST a respeito (TST-SBDI I-E-RR 01692-2002-058-15-00-9. Rel. Min. José Luciano de Castilho Pereira. DJ 12.11.04).

5.6. Posição do E. TRT da 9.ª Região

Sobre o assunto, o Órgão Especial, em 25 de outubro de 2004, analisando incidente intramuros para compor divergência, reconheceu o interesse público na assunção de competência, nos termos do artigo 55, X, do Regimento Interno. De conseqüência, decidiu, por maioria de votos, fixar a data da publicação da Lei Complementar n.º 110/2001, como termo inicial da prescrição para reclamar o direito às diferenças da multa do FGTS, posicionando-se, assim, favorável à última corrente.

6. Limite de atuação da Justiça do Trabalho

A Justiça do Trabalho não pode, sob pena de extrapolar os limites de competência impostos pelo art. 114 da CF/88, adentrar na questão dos índices geradores das diferenças respectivas. A ela só cabe declarar devidas as diferenças decorrentes da efetiva correção a que se obriga a CEF (ou por força ou de decisão da Justiça Federal ou por força da LC 110/01).

A base de cálculo, portanto, só será conhecida a partir dos valores depositados. Em outras palavras, saber-se-á, evidentemente, qual ou quais os índices aplicados pelo órgão gestor, mas, isto, apenas no momento do cálculo, sem que seja possível a sentença trabalhista, de antemão, fixá-los. Eles até podem coincidir com aqueles ditados pelo STJ ou STF, mas não necessariamente.

A Seção Especializada do E. TRT da 9.ª Região já decidiu nesse sentido: AP 10658-1992-006-09-00-6. Ac. 24.66/04. DJPR 05.11.04).

Luiz Eduardo Gunther, juiz do TRT da 9.ª Região e Professor das Faculdades Integradas Curitiba e Cristina Maria Navarro Zornig, assessora no mesmo Tribunal.e-mail para correspondência: cristinazornig@trt9.gov.br

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