O Senado, por definição, história e origem, é uma casa parlamentar de pessoas idosas. No Brasil, país que é ou pensa ainda ser jovem, encontram-se senadores quase imberbes. Mas isto em nada prejudica a democracia, embora haja quem considere a manutenção de duas casas legislativas desnecessária e fonte de desperdícios. Amanhã haverá uma audiência sui generis no nosso Senado Federal. A senadora goiana Íris Araújo conseguiu a aprovação pela Subcomissão do Idoso da Comissão de Assuntos Sociais da convocação dos atores Osvaldo Louzada e Carmen Silva para serem ouvidos em audiência pública. São dois excelentes atores, já bem idosos na vida real e na ficção.

Atuam no papel de pais, sogros e avós, numa novela de grande audiência, Mulheres Apaixonadas, que vai ao ar diariamente em rede nacional de televisão.

Cremos que, antes de mais nada, deve ser discutida a atitude da senadora que propôs a convocação da audiência pública. Ela agiu com evidente demagogia, aproveitando-se da repercussão de uma obra de ficção, do interesse público pelos artistas e do tema inusitado de uma neta estar maltratando, sob as luzes dos refletores e diante das câmeras, seus velhos avós. Aliás, neta que é uma excelente artista e que, se é para fazer demagogia, por que também não convocá-la?

Sobre a situação dos idosos no Brasil, evidentemente que podem falar dois velhos atores, mas o objetivo não é seu testemunho, por mais procedentes que sejam suas opiniões. O objetivo é ganhar espaço na mídia. E espaço para a senadora e quem a apoiou nessa ridícula empreitada. O idoso é vítima de maus tratos em qualquer cidade que se escolha. E o pior mau trato que recebe é o abandono, a precariedade da legislação em seu apoio, a falta de abrigos e a falta de suprimentos indispensáveis para esses abrigos. É também vítima de famílias que o abandonam, geralmente por falta de condições financeiras para sustentá-lo, quando não por questões culturais. Importante é ser jovem, nos ditam os costumes e a moda.

Melhor teria feito a senadora que teve essa esdrúxula idéia e os senadores que a apoiaram, se buscassem, na Casa dos Artistas, onde vegetam tantos atores hoje idosos e que fizeram a alegria de nossas platéias, os problemas que os afligem e as soluções que demandam. Melhor ainda se pusessem os olhos, com mais atenção, para a reforma da Previdência que está no Congresso e tramitará pelo Senado, examinando com muito carinho a situação do idoso nela posta. Na proposta governamental, o aposentado idoso é taxado e tem limitados os seus ganhos de inatividade. E mais limitados ainda e também taxadas serão as pensionistas. Seriam tais medidas corretas ou o apoio que recebem apenas serve para agradar o governo?

Há, de outro lado, um contingente imenso de idosos que assistência alguma têm, perambulando pelas ruas pedindo esmolas ou até servindo de mercadoria para falsas entidades privadas de caridade. Estes gritam por uma investigação do Congresso Nacional. Já velhos avós maltratados por uma neta, em família de classe média ou alta, evidentemente podem existir. Temos certeza de que há um caso na novela em exibição. Pode não ser o único, mas certamente é raro. E rara oportunidade para que uma senadora se transforme em notícia fazendo demagogia. Não há porque requisitar a ficção quando a realidade de muitos de nossos idosos é aterrorizante.

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