Mulher X Mulher

Desde as últimas eleições, ouço falar em “mulher vota em mulher”, como propaganda das pretendentes a cargos eletivos, o que deve ser traduzido por “mulher deve votar em mulher”. Tal refrão calça-se na queixa das candidatas de que as eleitoras preferem direcionar sua escolha aos homens, traindo sua condição feminina.

Noite destas, em concorrida reunião do Conselho da Mulher Executiva, na sede da Associação Comercial do Paraná, quando algumas inscritas para o próximo pleito eleitoral se apresentaram, ventilou-se o assunto, repetindo-se o “slogan”.

Ao ser questionada sobre o fato de não haver tendência de voto das mulheres por suas parceiras de sexo, uma das senhoras ali entrevistadas sugeriu a realização de uma pesquisa, a fim de se detectar a gênese dessa rejeição.

Sem qualquer suporte estatístico, mas assentada no banco da experiência ancienal e profissional de longo tempo, faço aqui algum comentário sobre fatos que talvez evidenciem a causa procurada. Como exercente das funções de juiz e, mais de perto, quando daquelas próprias de cargos da diretoria do Tribunal, pude observar o comportamento das ocupantes de postos ditos masculinos, como sempre foi o meu, ainda que hodiernamente assim já não mais se o considere, ante o alto percentual de mulheres que atuam na magistratura. Mas sempre fica algum resquício de exceção.

Foi-me dado constatar que a classe vem utilizando o “mulher vota em mulher” como se o simples fato de pertencer ao gênero funcionasse como salvo-conduto para todos os fins. Ora, votar implica analisar qualidades do candidato e não apenas verificar o tipo de grupo que o envolve ou do qual é parte. Destarte, não basta à candidata portar esse mal interpretado salvo-conduto, mas há necessidade que, ao exibí-lo, o faça com a dignidade merecedora do voto. Daí a primeira explicação para que as eleitoras possam ser absolvidas em sua preferência pelos homens. Esta consideração não obsta, todavia, que da análise referida resulte a opção por uma representante no lugar de um.

Outra observação é a seguinte: ao ser guindadas a postos supra tachados masculinos, as “vencedoras” passam a integrar um universo diverso daquele verificado até então: quer pela proximidade dos colegas do sexo masculino, quer pela prevalência das decisões deles, porque maioria e, também, porque ainda não se libertaram, por completo, da submissão que lhes foi imposta durante milênios, impassível de desparecimento repentino. Isto leva às suas companheiras “de campanha” a idéia de que deixaram de ser “aquilo” que antes pareciam e precisavam ser. Vem daí a decepção, a indução ao arrependimento pelo depósito de confiança em uma pessoa que, supostamente, viria a atuar como representante da classe, ou seja, contra seus algozes e que, sem dar satisfação, restava aliada a eles. Transformam-se, por assim dizer, em homens de saia.

Quando no exercício das funções de corregedora regional da Justiça do Trabalho, a maioria das manifestações de contrariedade que recebi contra Juízas vinha de mulheres e, enquanto presidente do Tribunal, sempre que precisei entrar em contato com parlamentares, os que melhor me atenderam foram os homens. Em reuniões presididas por parlamentares do sexo feminino, vi os participantes masculinos recebendo tratamento diferenciado em relação aos femininos. Nas sessões da Comissão de Ética do TST, da qual fui membro em Brasília, sendo eu a única mulher, sempre fui tratada com extrema deferência. E, ao desempenhar as funções de coordenadora do Colégio de Presidentes e Corregedores da Justiça do Trabalho, em que a maioria era composta por homens, destes recebi incondicional apoio. Finalmente, percebi que as críticas contra minha atuação funcional sempre vieram mais da parte das colegas que dos; porque também sou mulher, humana e… imperfeita, claro.

Ante o exposto, pergunta-se, de forma inversa: por que a mulher “votada” desconsidera a mulher “votante”? Em meu modesto entender, há somente uma resposta, aliás, já acima ventilada: não se pode desconstituir em dez, vinte ou cinqüenta anos, o que se impôs durante séculos – a superioridade do homem. Tão-somente com o tempo, essa desigualdade desaparecerá. A mulher é paciente e a paciência, como ela, é mãe de todas as Vitórias.

Adriana Nucci Paes Cruz

é juíza do Trabalho aposentada

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