Muitas dúvidas, uma certeza

A informação repassada para a imprensa em 19.02.2003 pelo Ministério do Trabalho e Emprego sobre os resultados da 3ª reunião da Comissão de Sistematização do Fórum Nacional do Trabalho sobre a organização sindical revela posicionamentos que (1) as mudanças buscam privilegiar a representatividade dos sindicatos (2) as mudanças são fundamentais para fortalecer a estrutura sindical (3) as mudanças tornarão a estrutura sindical mais democrática, transparente e a serviço de seus representados.

Este otimismo é que conduz o Ministério do Trabalho e Emprego para a desconstituição do atual sistema constitucional da unicidade sindical, incluindo a desconstituição do sistema de negociações coletivas e da composição dos conflitos entre empregados e empregadores, desconstituição que traria novos e melhores tempos para os trabalhadores e os empregadores. Há razões para tanta certeza otimista?

Para onde leva essa desconstituição? Ainda é cedo para responder a esta pergunta, pois não há uma proposição traduzida em texto legislativo para que possamos verificar como ocorrerá a transição de um modelo para outro, de um sistema historicamente consolidado para uma nova concepção gestada no laboratório ministerial.

Pois princípios, premissas e indicações genéricas quando trasladadas para o contexto da lei podem esbarrar em dificuldades intransponíveis. Este filme já foi projetado muitas vezes. Por isso, as observações hoje apresentadas são, não apenas iniciais, como passíveis de alteração. Fica, assim, esta ressalva necessária.

Mas há alguns pontos que se afiguram de extrema dificuldade nesta desconstituição.

O primeiro deles é que o sistema da unicidade é igual para empregadores e trabalhadores, onde as entidades de ambos os setores se perfilam na busca de identidade em conteúdo e forma. Esta quase-identidade tem servido, muitas vezes, como contrapeso que equilibra as relações entre partes muito desiguais. O segundo ponto, de extrema importância, é que o sistema tem uma lógica: a de que a base decide, ou seja, cabe ao sindicato a condução do processo político-sindical, pois sem ele o restante do sistema – Federações, Confederações, Centrais – não existe.

E vai além esta lógica: o processo negocial – das condições de salário e de trabalho criadas e consolidadas nos instrumentos normativos constitucionais – nasce e se desenvolve a partir das realidades dessa base, em um amplo e complexo universo das relações de trabalho em um país multifacetado como o nosso. Mas vai ainda mais longe: o cordão umbilical existe entre o trabalhador e seu sindicato. Por mais débil que ele seja, na hora da dificuldade é ao sindicato que o trabalhador tenta se socorrer.

A perda desta identidade entre partes desiguais, a quebra dessa lógica, o rompimento desse sistema pode levar ao sepultamento um conceito vital nas relações entre capital e trabalho: o reconhecimento de virtudes e defeitos, ou seja, cada um sabe exatamente o que pode e o que não pode, o que consegue e ou que perde, o que pode avançar e o que deve esperar.

A desconstituição levará à de perda de identidade, à quebra da busca da igualdade, na inversão político-sindical em favor da supremacia das Centrais. Nesta ruptura, as Centrais Ä apenas quatro poderão existir, no máximo, com a exigência de 22% de filiados Ä é que passariam a deter o rumo da relação capital-trabalho, pois será a partir delas que o processo se moverá, não mais a partir da base. Esse sindicalismo neoeuropeu engessaria o sistema, pois quem não estiver atrelado a uma Central, não teria pés para andar, nem cabeça para pensar. Até mesmo a negociação coletiva partiria do nível superior e a ela teria que se amoldar o conjunto restante.

Diz o comunicado do Ministério à imprensa: “Com a nova organização as entidades sindicais de trabalhadores vão se estruturar a partir da organização dos trabalhadores por setor e ramo de atividade econômica, que serão definidas pela Comissão Nacional de Relações do Trabalho”. Mas, a seguir, o comunicado afirma: “Para os sindicatos que na data da promulgação da lei tiverem registro sindical, será dada a oportunidade de manter a exclusividade da representação, desde que aprovada em assembléia-geral dos trabalhadores e sujeita a mudanças estatutárias que garantam, entre outras coisas, processos eleitorais transparentes e prestação de contas”.

Qual assembléia de todos os trabalhadores? Quem convoca, quem controla, quem dirige? Ressurgiria o estatuto-padrão? As contas seriam submetidas a qual organismo? As disputas sindicais teriam um campo fértil para crescer e todas desaguariam na desarmonia social e na controvérsia judicial.

Ou seja, se o sindicato passasse por esse gargalo, ele continuaria existindo como sindicato de categoria e teria mais três anos, prorrogáveis por mais dois, para se adequar a novas regras de representatividade do sindicato por setor ou ramo econômico?

Ou seja: teríamos dois sistemas? Um por setor e ramo de atividade e outro pelos sindicatos que forem mantidos como são? Neste caso, os sindicatos que se mantiverem deverão migrar para o novo sistema? E os sindicatos patronais serão submetidos ás mesmas regras?

E quanto às Federações, Confederações e Centrais? As Centrais serão privativas dos trabalhadores? As Confederações patronais serão diferenciadas das dos trabalhadores? Assim também as Federações? Haverá dois sistemas: um das Centrais de Trabalhadores e outro das Confederações Empresariais?

Como se observa, ainda é muito difícil de entender o conjunto do sistema, por isso somente quando ele estiver traduzido em texto de lei será possível compreender suas possíveis virtudes e analisar seus prováveis defeitos.

Por enquanto, estamos no campo das centenas de dúvidas, embora tenhamos uma certeza: o atual sistema conduziu política, econômica e socialmente os trabalhadores e empregadores até o atual estágio em suas relações durante setenta anos. Há afirmações de que se trata de um sistema anacrônico, ultrapassado, obstáculo ao livre desenvolvimento das forças produtivas, impeditivo do crescimento econômico. Por isso, a necessidade das urgentes mudanças.

Mas não foi esse o sistema que contribuiu de modo decisivo para que Luiz Inácio Lula da Silva chegasse à Presidência e chefia do governo democrático e popular?

Para que o Presidente Lula possa levar à frente as mudanças que todo o povo espera, em especial gerando emprego e renda, não será fundamental que convoque todo o atual sistema sindical para somar forças, ao invés de desconstituí-lo, fragmentá-lo e enfraquecê-lo?

Este, certamente, é o pior momento para que tal empreitada possa ser levada adiante. Assim como o debate da reforma da lei trabalhista ficou para 2005, é prudente que o mesmo suceda com o que se tem chamado de reforma sindical.

Há tempo para o Ministério do Trabalho e Emprego repensar o caminho que pretende seguir e convocar todas as forças sindicais, de todos os campos, empregadores e empregados, para a agenda construtiva e positiva em favor do país, em torno dos programas de crescimento econômico que estão sendo apresentados pelo Presidente Lula. A melhor contribuição do Ministério seria somar forças, ao invés de dividi-las. Especialmente em um ano eleitoral.

CNDRT Ä A Comissão Nacional de Direito e Relações do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego, não realizou sua reunião designada para o dia 03 de março, por solicitação de seu presidente de honra Arnaldo Sussekind. A reunião, a ser realizada em data próxima, vai iniciar o debate de dois temas importantes, sobre as Comissões de Conciliação Prévia e Terceirização/Cooperativas de Trabalho *** A plenária do Fórum Nacional do Trabalho para finalização dos trabalhos de sistematização dos temas sobre organização sindical, negociações coletivas e sistema de solução dos conflitos será realizada dia 12 de março para, em seguida, o relatório ser encaminhado para o Presidente Lula *** No dia 25 de março o Fórum Sindical de Trabalhadores reúne em Brasília representações de todos os Estados para defender, perante o Congresso Nacional, a manutenção do sistema da unicidade sindical, a redução da jornada de trabalho, a geração de emprego e renda e outras medidas relacionadas com a pauta reivindicatória dos trabalhadores.

edesiopassos@terra.com.br

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