Em seu saboroso livro de memórias, o talentoso e experimentado advogado Saulo Ramos nos dá conta de quão necessárias e urgentes são as alterações do sistema legal e judicial, quando o assunto é Direito de Família e Sucessões.
Narra o causídico, na romanceada autobiografia, grave disputa judicial pela guarda de duas crianças travada pelos pais, cujo desfecho vem acompanhado de questionamentos do tipo – “se tivéssemos nos aprofundado mais na causa, talvez tivéssemos evitado mortes, angústias e mais sofrimentos?!” numa angustiada constatação do esgotamento das leis vigentes, especialmente as que cuidam dos conflitos familiares.
A função maior da lei é garantir e preservar a dignidade humana. É a convivência entre as pessoas – o tal contrato social -, em última instância, que cuida a lei de tornar viável.
Sabe-se, que disputas judiciais familiares têm, muitas vezes, como pano de fundo, a repetição, pelos litigantes de agora, de conflitos familiares passados e não superados. No citado livro não é diferente.
A lei reguladora das relações de família, ignorando sua função primordial e a complexidade familiar, acaba por lançar o cidadão que bate às portas do Poder Judiciário numa dilacerante disputa entre o bem e o mal, o culpado e o inocente, o algoz e a vítima, como se isso fosse totalmente possível de mensurar dentro de um processo judicial cheio de regras e limitações, perpetuando, no mais das vezes, os ciclos de repetição de dinâmicas familiares que já não deram certo.
Por óbvio, não se trata aqui das situações em que necessárias se fazem intervenções judiciárias contundentes.
Fato é que não há, ainda, dentro do sistema legal, um contrapeso às verdadeiras fraturas de continuidade impostas ao processo de desenvolvimento das pessoas e das famílias.
A oportunidade que muitas vezes um processo judicial poderia representar, oferecendo-se como alternativa de transformação de certos conflitos familiares em reais chances de desenvolvimento, diante das disposições legais vigentes, acaba por transformar-se num palco de vitimizações e de demonizações, ambas, nem sempre verdadeiras.
O alijamento da culpa como regra do Direito de Família, nesse sentido, é urgente e fundamental, inclusive, para que, dando integral cumprimento à sua função maior o sistema legal ampare as convivências humanas, nivelando-as por cima.
Fábio Botelho Egas é advogado especialista em Direito de Família e Sucessões, na área contenciosa e consultiva.
