Líderes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) reagiram hoje à decisão do Ministério Público de Goiânia de investigar os gastos do governo estadual e da prefeitura com a Marcha Nacional pela Reforma Agrária cobrando investigação sobre as dívidas dos ruralistas. O MP goiano abriu inquérito para apurar a legalidade de uso de mais de R$ 400 mil dos cofres públicos para custear a marcha. Segundo os promotores de Defesa da Cidadania de Goiânia, o aparato mobilizado pelo MST, incluindo 300 ônibus, trio elétrico e rádio comunitária, descaracterizam o estado de necessidade que justificaria o uso de recursos emergenciais.
De acordo com a coordenadora nacional do MST e porta-voz da marcha, Rosana Fernandes, o Ministério Público deveria ter a mesma preocupação com as dívidas dos ruralistas. "Eles tiraram bilhões dos cofres públicos e agora estão pedindo renegociação. Isso, sim, é calote escandaloso." Lideranças do movimento vão atender às convocações do MP, se elas ocorrerem, disse a líder.
Solidariedade
"A estrutura de apoio à marcha é fruto da solidariedade dos companheiros e da sociedade." Rosana afirma que os grupos de cada Estado se cotizaram e coletaram recursos para fretar os 300 ônibus e a maior parte da alimentação saiu dos assentamentos. A rádio foi emprestada pela Associação Brasileira de Rádios Comunitárias e os aparelhos, cedidos pela organização do Fórum Social Mundial. "Recebemos doações das prefeituras e de pessoas que nem conhecemos."
Provocação
O presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Antonio Nabhan Garcia, considerou o pedido de investigação das dívidas uma provocação. "Estamos pedindo a renegociação porque queremos pagar, diferente do MST que recebe dinheiro do governo a fundo perdido." Segundo ele, o produtor rural deu todas as garantias de que vai pagar as dívidas. "Só precisa de um fôlego, pois foi vítima das condições climáticas e do cartel dos insumos." Nabhan Garcia disse que o dinheiro repassado ao MST financia as invasões. "Esse dinheiro nunca volta para o governo."
Hoje, no décimo dia de caminhada rumo a Brasília, os sem-terra avançaram mais 14 quilômetros pela BR-060, acampando no sítio Recanto da Taboca, em Alexânia. O proprietário, Fernando Carvalho Araújo, disse que a área foi invadida. "Cortaram a cerca em dois pontos para entrar com os caminhões." Ele precisou passar o gado para outro pasto e prender os cavalos. A mulher de Araújo, Neudja, disse que os sem-terra arrombaram dois cadeados da porteira e estavam nadando numa represa usada para abastecimento. Foi a sétima invasão de áreas particulares desde a saída de Goiânia, no dia 2.
A caminhada, com o apoio da Polícia Rodoviária Federal, não teve incidentes. A rádio, cuja antena esbarrou num cabo de alta tensão há dois dias, apresentou avaria e não funcionou. Na passagem por Alexânia, moradores saíram à rua para ver a marcha. "Nota dez para a organização deles", elogiou o comerciante Elziro Oliveira Soares. "Deviam estar trabalhando", disse Jean Rocha Salgado, também comerciante.
A cozinha da marcha foi mudada de Anápolis para Taguatinga, no Distrito Federal. A chegada do comboio com dezenas de caminhões e ônibus causou uma imprevista mobilização do forte esquema de segurança montado em Brasília para a reunião da Cúpula América do Sul/Países Árabes. Pensou-se que a entrada dos sem-terra na capital federal, prevista para o dia 17, havia sido antecipada. O comandante do policiamento rodoviário da marcha, inspetor Marcos José Cordeiro, acordado na madrugada, desfez o equívoco.
Hoje as lideranças liberaram a entrada de vendedores no acampamento. O fabricante de sorvetes Edvânio Lopes Silveira, que acompanha a marcha desde Anápolis, trabalhava com seis carrinhos. "Vendo 1.200 por dia lá fora, hoje vou vender muito mais." Agnaldo Lobato montou um ponto com rapadura, doces e geléias. "Vendo bem e pagam certinho."
Os deputados Edson Duarte (PV-GO) e Luci Schwniak (PT-SC) integraram-se à marcha. Duarte fez palestra, à tarde, durante o período de estudos dos militantes, condenando os transgênicos.