O atendimento das principais reivindicações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), obtido durante negociações encerradas na madrugada de hoje (18), em Brasília, não significa trégua nas invasões, segundo o coordenador nacional do movimento Gilmar Mauro. "Temos o desafio de continuar lutando contra o poder econômico e o latifúndio. Essa é, agora, nossa principal briga."
Avaliando a marcha no momento em que as caravanas começavam seu retorno aos Estados, Mauro disse que o movimento ficou "parcialmente satisfeito" com o resultado da pressão sobre o governo. "O próprio Lula reconheceu que o governo não vem cumprindo o que estabeleceu como meta, mas disse que de agora em diante vai fazer todos os esforços para cumprir."
Depois dizer que o MST é "otimista", o líder afirmou que as ocupações vão prosseguir, apesar do acordo. "Vamos continuar pressionando, pois o papel do MST é de autonomia frente ao governo e a partidos." Por causa da marcha e das negociações, o movimento suspendeu este ano o "abril vermelho", fazendo poucas invasões no período.
A reunião que selou o acordo foi convocada às 23h pelo ministro Miguel Rossetto, do Desenvolvimento Agrário, a pedido de Lula. Antes, o presidente havia se reunido com a comissão do MST mas não chegaram a um consenso. "Não tínhamos o que dizer para o nosso pessoal", resumiu Mauro. O encontro final foi bem mais restrito e produtivo: além de Gilmar Mauro, os coordenadores nacionais João Paulo Rodrigues, Jaime Amorim e Fátima Ribeiro representaram o MST. Pelo governo estavam Rossetto, o presidente do Incra, Rolf Hackbart, José Graziano e dois assessores.
"Fechamos o acordo quase a 1h da madrugada", disse Mauro. O resultado da reunião foi levado aos sem-terra em assembléia pela manhã no Ginásio Nilson Nelson, ao lado do estádio Mané Garrincha, onde estavam acampados. A imprensa não teve acesso.
Recursos
Mauro comentou com ironia uma possível investigação do Ministério Público sobre os recursos que financiaram a marcha, estimados em R$ 5,5 milhões. A marcha, com 12 mil pessoas saiu dia 2 de Goiânia e percorreu mais de 200 km até Brasília. "Se quiserem saber de onde veio o dinheiro vão ter muito trabalho, pois terão de ir a todos os assentamentos e acampamentos do Brasil."
Conflito
Para o dirigente, a marcha foi "um sucesso", apesar do conflito ontem (17) entre sem-terra e policiais, na Esplanada dos Ministérios, que deixou 50 pessoas feridas. Hoje cinco sem-terra e dois policiais continuavam internados. Ele voltou a responsabilizar a Polícia Militar pelo confronto. "Alguns setores da PM, com a intenção de causar uma imagem negativa da marcha, provocaram o que aconteceu."
Os próprios sem-terra dão outra versão. "A viatura tentou passar pelo meio da gente e nosso pessoal não deixou. Arrancaram os policiais e deram um cassete. Bateram com um cassetete que tomaram deles", disse o sem-terra que se identificou como César, com a perna quebrada pela pata de um cavalo.
Ele conta que se distraiu com o helicóptero da PM que dava rasantes sobre a marcha após o início da briga. "Pensei que era o Lula descendo para falar com a gente." César recebeu um golpe nas costas, caiu e foi atropelado pelo cavalo
Hoje sem-terra e policiais voltaram a se entender. O comandante da PM, Alexandre Jansen, ligou para o celular do coordenador Rodrigues para combinar a saída das delegações. O líder dos sem-terra pediu a interdição de duas faixas para que os ônibus manobrassem sem riscos. O acampamento que abrigou a marcha começou a ser desmontado no início da tarde. O clima era de despedida.
Carregando malas, mochilas e colchonetes, os sem-terra iam lotando os 300 ônibus contratados para o retorno. Muitos trocavam telefones e endereços. O gaúcho Miguel Sereno não via a hora de chegar em casa, em Uruguaiana, divisa com o Uruguai, o destino mais distante. "Vai ser demorado, uns quatro dias", previu.
