MST não quer a reforma

Eleito em 1996 prefeito de Guarapuava, sempre entendi a necessidade de dar função produtiva às propriedades e oportunidades àqueles que desejam um pedaço de chão para alimentar seus filhos. Discordava dos desmatamentos dos sem-terra, das agressões e, particularmente, da falta de objetividade e resultado nos assentamentos realizados. Nos primeiros meses de governo, com uma equipe eficiente e conhecedora do problema, elaboramos um projeto de assentamento que primava pela atenção às peculiaridades locais, às limitações e potencialidades de nossos trabalhadores rurais e respeitava a lei, o meio ambiente e a sociedade.

Encontramos duas propriedades em poder do Banco do Brasil: a Fazenda Rosa, às margens da BR-277, com mais de 20 casas prontas, pocilga para 500 suínos, tanques de peixes, área de fruticultura, barracões, área de reserva legal, de reflorestamento e centenas de hectares altamente produtivos; e a Fazenda Europa, com uma área pouco fértil e sem nenhuma infra-estrutura. Convidamos um grupo do Incra a conhecer nosso projeto. A então chefe de gabinete da presidência do órgão, hoje ouvidora nacional para Assuntos Agrários, Maria de Oliveira, se comprometeu a trazer o ministro Raul Jungmann para conhecer o projeto. Em pouco tempo o ministro negociou as áreas com o banco e as deixou à disposição.

Começamos a seleção dos assentados pelos antigos funcionários das fazendas. Em seguida, moradores da localidade sem bens e com vocação para uma das atividades planejadas para o local. Depois, pessoas de outros locais com perfil para a agricultura, dispostas ao aprendizado e preparadas para a inclusão e a convivência na comunidade. Tivemos o apoio de Guarapuava para o projeto. As áreas teriam lotes individuais em algumas atividades. Peixes, suínos, reflorestamentos, barracões, uma área social e a reserva legal seriam coletivos. A área de mata seria produtiva, com um projeto de ervas medicinais e criação de animais silvestres. Analisamos a área, os pretendentes. Cheios de esperanças e com a concordância do Incra, instalamos cerca de 30 famílias na Fazenda Rosa e 20 na Europa. O sonho durou dois dias. Na calada da noite, com armas, agressões, fazendo as famílias reféns e roubando as poucas coisas que possuíam, o MST invadiu o assentamento e nada poupou. O Incra lavou as mãos e a comunidade ficou com as famílias, sem definição de seu destino.

Após quase um ano de negociações nos convencemos de que ao Incra e ao MST o que menos importava era a reforma agrária. Tentamos parcerias que permitissem assistir e apoiar aquele povo, mas não era permitida a entrada de técnicos da prefeitura. O MST abandonou aquelas pessoas sem assistência e não permitiu que outros o fizessem. Tempos depois, os moradores da Fazenda Europa abandonaram o MST e receberam assistência do município. Os da área melhor insistiram em manter a placa do Incra e a bandeira do MST.

Seis anos depois, o primeiro grupo com certeza não construiu um paraíso, mas trabalha, produz. Hoje eles são produtores rurais, ainda que com sacrifício. A Fazenda Rosa, antes uma fazenda modelo, agora é só um espectro de incompetência, desorganização e desperdício. A floresta foi cortada. Boa parte da área nunca foi plantada, as pocilgas e os barracões foram queimados como lenha, as casas estão sendo vendidas em partes e a bandeira do MST continua hasteada à margem da rodovia. No momento em que a sociedade assiste, atônita, às declarações dos líderes do movimento, com a complacência, insegurança ou omissão da maioria dos líderes políticos, vêm-me à mente algumas perguntas: Os teóricos, especializados na prática ideológica, conseguem definir um rumo ideal para os milhares de realidades rurais que temos no País ou é mais racional que as políticas públicas respeitem as vocações e a cultura local? A solução para as mazelas sociais do País está na transformação do necessitado em “produtor improdutivo e desassistido” ou é mais lógico assentar quem tem vocação agrícola? Devemos assistir ao surgimento de verdadeiros exércitos de seres humanos abandonados para depois resolver aquilo que os pais não puderam ou devemos também cobrar e propugnar por uma paternidade responsável? Será que empobrecendo alguns conseguiremos enriquecer muitos ou devemos chamá-los à participação e à busca de alternativas para o desenvolvimento?

Um programa eficiente não necessita de um planejamento efetivo e material e, pela primeira vez na História, a ideologia desguarnecida de racionalidade conseguirá criar uma sociedade verdadeiramente melhor? O que importa é o número de pessoas assentadas ou o número de produtores e pessoas inseridas que mantemos no campo? Os crimes de roubo, seqüestro, dano e incitação à violência, entre outros, foram recentemente tipificados no Código Penal como crimes de realização individual ou esse dispositivo legal autoriza qualquer dessas práticas, desde que em nome do social? Os líderes desses movimentos querem uma sociedade mais justa e fraterna ou, possuídos do instinto sanguinário e revoltado dos Stalins ou dos Ches Guevaras, esperam alcançar o poder absoluto e interminável dos Fidéis Castros? O desrespeito às leis ficará só na esfera agrária ou logo, em nome do social, como fizeram as personalidades acima, a lei se verá abolida e os Stédiles serão a própria lei? O ódio, a insegurança, o ressentimento, o medo, o desrespeito e o confronto social são realmente a solução para este país?

O mundo, nas últimas décadas, derrubou muros, aproximou povos, abandonou armas. As parcerias surgem em todos os cantos. As religiões trabalham pelo respeito mútuo, os empresários se unem aos empregados e se busca a democracia e a lei, acima de tudo. A ideologia foi gradativa, mas inexoravelmente abolida pela lógica e pela discussão; mas parece que seguimos o caminho inverso.

Não haverá paz enquanto houver ressentimento; não haverá caminho enquanto não se souber o destino; não haverá resultado enquanto não houver planejamento; não haverá solução enquanto não houver boa vontade; não haverá nação enquanto o governo não entender que a permissividade é a mãe da tirania e a tirania é a mãe de todas as injustiças. Chega de brincar de Robin Hood! Se quiserem reforma agrária, conheçam a realidade do campo, cadastrem os verdadeiros agricultores, cobrem responsabilidades, definam critérios e pensem um pouquinho no que é bom para o País. A maioria quer a reforma agrária, que une e integra, garante a qualidade de vida, chama, incorpora e soma, abre caminhos. A maioria a quer!

Eu já tentei e continuo querendo. Pena que o MST não a queira!

Vitor Hugo Ribeiro Burko

é prefeito (reeleito) de Guarapuava-PR.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo