As medidas provisórias têm sido utilizadas no Brasil, governo após governo, substituindo a legislação regular e dando ao Executivo poderes quase que ditatoriais. A profusão com que tem sido baixadas, em casos de ?urgência? e ?relevância?, como exige a Carta Magna, mas também em casos em que essas condições inexistem, tem retirado do processo legislativo toda a sua legitimidade. Mas existem também outras exigências constitucionais que, olhadas com atenção, seriam intransponíveis e não permitiriam a edição de medidas provisórias. Mas tanto o Executivo como o Legislativo têm feito vistas grossas desde FHC até o atual governo de Lula, passando pelas demais administrações federais.
Enquanto o artigo 62 da Constituição diz que as medidas provisórias só pode ser baixadas pelo presidente da República ?em casos de relevância e urgência?, o parágrafo primeiro do mesmo artigo relaciona as situações e esclarece em que ocasiões o governo não pode lançar mão de MPs. Elas são proibidas, por exemplo, para tratar de ?diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares?.
Há exceções abertas pelo parágrafo terceiro do artigo 167 da Constituição. Ele diz que ?a abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública?. Desde o ingresso do Brasil na II Guerra Mundial, e isto foi muito antes de FHC, nenhuma dessas situações excepcionais se deu.
Não obstante, as MPs sem urgência e relevância e muito menos em situações de comoção interna, calamidade pública ou guerra jorram do Palácio do Planalto para o Legislativo e, no Congresso, viram lei, seja pela aprovação pura e simples ou arrancadas a fórceps.
As medidas provisórias, se os deputados federais e senadores levassem a sério suas funções legislativas, cairiam já nas comissões de Justiça das duas casas de leis, por absoluta inconstitucionalidade.
Os que hoje se rebelam contra as MPs, principalmente contra o seu número, PSDB e DEM, no passado aprovaram as que, eivadas dos mesmos defeitos das que saem da caneta do presidente Lula, hoje são comandos ditatoriais e abusivos do governo Lula.
Em oito anos de Fernando Henrique Cardoso, os gastos extraordinários realizados graças à vista grossa para com as medidas provisórias totalizaram R$ 119 bilhões. Em 5,3 anos de governo Lula, prazo quase três anos menor, já foram arrancados do Congresso, via medidas provisórias absolutamente inconstitucionais como as da era FHC, R$ 113 bilhões. A Constituição diz e já dizia antes que não, mas o Congresso, digerindo ou engolindo com má vontade, tem praticado repetidamente essa gravíssima irregularidade numa democracia em que à Câmara e ao Senado compete legislar. E as medidas provisórias deveriam ser formas excepcionais de legislar e não uma prática vulgarizada e frontalmente contra a Carta Magna.
Agora, o Congresso procura, através dea uma comissão especial, limitar o número de medidas provisórias e fórmulas as mais intrincadas têm sido consideradas. Bastaria obedecer a Constituição e elas não seriam nem em tão largo número nem tão frontalmente contra o sistema democrático e desobedientes à Carta Magna.
Ao que tudo indica, a limitação das medidas provisórias, por não ter o consenso dos parlamentares nem agradar o Planalto, vai acabar na Justiça. O Supremo Tribunal Federal, última instância num regime democrático, poderá ter de julgar o que vem acontecendo e acabar com essa farra que desmoraliza a nossa já precária república.
Haverá quem ousará dizer que será interferência de um Poder, o Judiciário, em assunto da alçada dos outros dois, o Executivo e o Legislativo. Mas não vemos outra saída porque esse sistema de legislar sem urgência e relevância e ainda a respeito de vedadas operações orçamentárias é um duto por onde escorrem bilhões da nação para atender a interesses do Poder Executivo e de eventuais maiorias políticas, de FHC a Lula.