As críticas ao excesso de medidas provisórias baixadas pelo presidente da República partem de todos os lados, inclusive do próprio PT. Dias atrás, até o presidente da Câmara dos Deputados, o petista João Paulo Cunha, as condenou. A medida provisória é um instrumento que camufla uma ditadura, pois mantém nas mãos do chefe do Poder Executivo o poder de legislar. Por prazo determinado, é verdade, e sujeição ao referendo do Congresso, mas aí existem diversas manobras para que se eternizem. Inclusive a ação do rolo compressor do próprio governo.
Quando oposição, o PT e seu líder Lula condenaram o uso abusivo de MPs por Fernando Henrique Cardoso. No governo, Lula já ultrapassou, em número, as medidas provisórias de seu antecessor.
Mas desta vez as coisas estão passando dos limites, pois não se trata apenas do número de medidas provisórias, mas seu uso de forma antiética, blindando o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, acusado de negócios escusos em sua vida privada, fato que o inabilitaria para o alto cargo que exerce.
Em primeiro lugar, consideremos que presidente do Banco Central não é ministro. Mas pela MP de Lula, Henrique Meirelles está virando ministro. Um ministro subordinado a outro ministro, o da Fazenda, Antônio Palocci Filho. E outros que vierem estarão subordinados a outros ocupantes do Ministério da Fazenda, teoricamente um com poderes superiores ao outro. Mas, mercê do título de ministro com que está sendo agraciado o presidente do BC, tornam-se iguais.
Essa igualdade não se resume apenas ao direito a mordomias e honrarias. É uma blindagem, pois dá ao comandante do BC foro privilegiado. No caso de Meirelles, essa blindagem com foro privilegiado é concedida por medida provisória quando e porque está sendo acusado de desvios. Verdadeiros ou não, o correto seria que se submetesse a investigações e julgamento. Nunca esconder-se por detrás de um título que lhe oferece o presidente Lula, como se este considerasse que os seus auxiliares, membros do seu governo, precisam ficar imunes de críticas, acusações, processos e condenações.
Houve quem considerasse, no episódio, que Henrique Meirelles deveria ser demitido e não protegido. Uma e outra providência seria exagerada. Mas a isenção de responsabilidades, a priori, é uma vergonha.
Por definição, as MPs só podem ser baixadas em caso de urgência e relevância. Mas surgem a qualquer momento e a qualquer pretexto. O rolo compressor governista já fez aprovar a MP de Meirelles na Câmara. Resta a esperança de que sofra percalços no Senado, onde tanto poderá ter sua apreciação protelada até perder a validade, como rejeitada. Mas não minimizemos o poder do rolo compressor situacionista. Ele tem dado a Lula e a seu governo poderes muito próximos dos que usufrui uma ditadura.
Não se trata de dar credibilidade antecipada às acusações de envio de recursos ao exterior por Henrique Meirelles, quando não era ainda presidente do Banco Central. Se verdadeiras, as acusações seriam suficientes para não permitir que ingressasse no alto posto que ocupa ou, se já nele, fosse demitido. Meirelles, dentro de sua linha de ação, que poderíamos chamar de neoliberal, tem sido um bom servidor do governo. Trata-se, sim, de manter o País instrumentado para, em processos regulares e não em foros privilegiados, examinar questões como esta. E, também, de manter o sistema hierárquico da República, onde um presidente de BC não é e jamais poderia ser ministro.