O novo surto de violência e criminalidade tem despertado grande alvoroço na atmosfera jurídica. O país está em clima de apreensão. No Rio de Janeiro, o secretário de Estado, Anthony Garotinho, declarou abertamente: a violência assumiu proporções incontroláveis. Em São Paulo e no Espírito Santo, magistrados foram assassinados, demonstrando a vulnerabilidade da segurança pública. No Paraná, foi lançado um pacote de combate à violência em repressão ao crime organizado, à impunidade e à corrupção policial, além de uma ostensiva campanha de desarmamento da sociedade civil. Enfim, todo o Brasil sofre as agruras da violência.
Sempre que surge uma onda de criminalidade, os governantes sentem-se na obrigação de reagir energicamente. Em resposta à criminalidade, eclode-se uma enxurrada legislativa que visa recrudescer as penas e criar novas figuras típicas, aumentando o âmbito de abrangência da atuação repressiva. Neste sentido, tem-se cogitado o aumento da pena do crime de homicídio para os casos em que a vítima for juiz ou promotor de justiça.
É uma demagogia legislativa. Diante da cobrança social e na falta de medidas mais eficientes, a proposta de uma lei cruel representa um subterfúgio à responsabilização dos governantes. Com essa inflação legislativa, o Estado tenta afastar de si a responsabilidade de promover a segurança social: “a minha parte, eu fiz” é o slogan evasivo do legislador. Grande parte dos políticos (há louváveis exceções) acreditam que podem burlar a consciência coletiva, com a instauração de uma tirania penal, na vã ilusão de que a crueldade das leis inibe a violência do crime.
Não é bem assim. Leis cruéis não solucionam a criminalidade. Não existe nexo entre o rigor de penas e a diminuição da criminalidade. A pena está relacionada aos efeitos da delinqüência; a diminuição da criminalidade se relaciona com as causas do crime. É uma questão de lógica: se alguém pretende diminuir a criminalidade, deve atuar na margem causal e não na final. Para interromper a violência, o crime precisa ser evitado e não reprimido, a delinqüência precisa ser prevenida e não remediada. E, como se sabe, o delinqüente contumaz não se intimida com o potencial da pena; o criminoso não deixa de praticar o seu delito pela gravidade da repressão que pode sofrer.
Em contrapartida a essa legislação de pânico, surge o Movimento Antiterror, liderado pelo eminente professor René Ariel Dotti, cuja ideologia merece o nosso aplauso. Segundo o festejado mestre Dotti, “a tendência do Congresso Nacional em editar uma legislação de pânico para combater o surto da violência e a criminalidade organizada, caracterizada pelo aumento da pena de prisão e o isolamento diuturno de alguns condenados perigosos durante dois anos – além de outras propostas fundadas na aritimética do cárcere – revelam a ilusão de combater a violência do crime com a violência da lei”. (DOTTI, René Ariel. Emoção e Razão. Revista Consultor Jurídico, 13/5/2003).
Sobre o tema Herkenhoff assevera: “não será com o endurecimento da repressão, com a pena de morte, com a prisão cautelar e outras sofisticadas formas de prender, com um soldado em cada esquina, que a violência vai diminuir. Os fenômenos sociais ocorrem em cadeia: só numa sociedade justa, fundada na igualdade, será desarmado o braço do que fere, cairá a lança do agressor. Então, as relações humanas serão solidárias” (HERKENHOFF, João Baptista. Direito e Utopia. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 44).
Sem embargo, a opressão das leis não oferece nada à sociedade civil. O pai de família não está preocupado com a pena do ladrão que rouba seu automóvel. O pai de família está preocupado em não ter seu automóvel roubado. Ocorre que, como o Estado não oferece segurança ao cidadão, tenta eximir-se desta falha oferecendo vingança institucionalizada. É um equívoco.
Com efeito, há que se buscar outras vias – que não apenas a jurídica – para se coibir a violência. O espaço jurídico não pode “pagar o pato” pelas falhas e deficiências dos outros setores institucionais. O problema da violência não é exclusividade do âmbito jurídico. A criminalidade também deve ser combatida por outros flancos, sejam políticos, administrativos ou sociais. Neste sentido, é louvável o novo projeto (ainda a ser aprovado) do atual governo estadual que gratifica policiais com R$ 100 para cada arma de fogo que apreenderem.
É fácil identificar a violência que existe num homicídio, reconhecer a criminalidade que se revela num roubo ou verificar a delinqüência que se manifesta num latrocínio. Mas nem todo mundo consegue perceber a violência que se esconde por trás das leis e a criminalidade que se oculta na institucionalização da tirania penal. A dificuldade de perceber este fenômeno, todavia, não significa a sua inexistência.
Adriano Sérgio Nunes Bretas
é monitor de Introdução ao Direito na Faculdade de Direito de Curitiba.