Motorista, cuidado com o extintor e com o Contran

Para os leigos é bom esclarecer. O Conselho Nacional de Trânsito – Contran é o órgão colegiado, integrado por autoridades civis e governamentais ligadas ao trânsito, com a competência, entre outras, de estabelecer as diretrizes da Política Nacional de Trânsito (art. 12, I, do CTB).

Cabe ressaltar que o Contran tem sido diligente ao disciplinar o trânsito por meio de suas 168 resoluções já editadas e das centenas de portarias, que procuram regulamentar as normas maiores estabelecidas no Código de Trânsito Brasileiro – CTB. O objetivo é um só: garantir um trânsito com segurança e paz nas estradas brasileiras.

Em alguns casos, no entanto, o Contran posicionou-se de forma demasiadamente conservadora. Proibiu maiores de 14 anos pilotar um simples ciclomotor. Influiu para que o CTB tivesse um perfil mais conservador e de maior rigor, ao proibir os analfabetos e os menores de 18 anos de conduzir motocicletas e pequenos automóveis e ao criar uma série de infrações de trânsito que ferem o princípio da razoabilidade.

Em outros casos, o Contran exagerou na dose e chegou a exigir, como acessório obrigatório, um kit de primeiros-socorros em todos os veículos automotores de nosso País. Isto aconteceu por meio da Resolução dos Esparadrapos, Ataduras, Tesouras e outras Perfumarias. De tão ridícula e inconveniente, acabou sendo revogada. Mas, antes da revogação, a grande maioria dos proprietários foi obrigada a comprar o estojo da insensatez da segurança e muitos veículos ainda carregam um exemplar dessa miniatura de farmácia ambulante.

Agora é a vez do extintor de incêndio. A Resolução 157/2004 estabelece as especificações para este tipo de equipamento, que deve ser ?instalado na parte dianteira do compartimento interno destinado aos passageiros dos veículos automotores? (art. 1.º).

É preciso esclarecer que o CTB não considera o extintor equipamento obrigatório. Porém, a exigência é antiga, em virtude de resoluções anteriores do Contran. A novidade, portanto, está apenas na mudança do tipo de pó extintor a ser agora utilizado e no tempo de validade do casco (validade hidrostática). Os extintores até agora fabricados podiam passar por uma vistoria técnica e a validade do casco de forma indeterminada.

A Resolução exige que, a partir de primeiro de janeiro deste ano, todos os veículos ?deverão sair da fábrica equipados com extintor de incêndio fabricado com carga de pó ABC? (art. 7.º). Os novos extintores são descartáveis após o prazo de validade, que é de cinco anos.

Já os veículos em circulação devem substituir o extintor com carga de pó BC por um novo com carga de pó ABC, ?até o vencimento da validade do teste hidrostático? (art. 8.º). Como grande parte dos extintores instalados até 2004 tem prazo de validade do ?teste hidrostático? por mais cinco anos, basta continuar fazendo a troca do pó a cada ano, até o final de 2009. Os extintores até agora fabricados podiam passar por uma vistoria técnica e a validade do casco, na prática, se tornava indeterminada.

No entanto, para os extintores com o referido prazo já vencido ou por vencer este ano, o remédio amargo é a substituição, que custará em torno de R$ 90,00. Pode não ser muito, mas é preciso lembrar que temos uma frota de mais de 35 milhões de veículos. Isto demonstra que o cumprimento da nova Resolução vai fazer circular muitos milhões de reais.

A justificativa para a mudança é de que o novo modelo possui tripla capacidade extintora: combater o fogo em material elétrico, no motor e, agora, também, em material de couro e sintéticos em geral. Porém, testes realizados não garantem a eficácia absoluta do pequeno equipamento, no caso de incêndio de maior intensidade.

A Resolução 157/04 é complicada e sua compreensão exige muita atenção e conhecimento da matéria, pois estabelece três datas diferentes para a vigência de suas normas e utiliza uma linguagem recheada de termos técnicos. Quanto às datas de vigência, a Resolução é, realmente, confusa.

Claro que o motorista leigo não tem acesso ao seu texto e, muito menos, condições de interpretá-la. Portanto, irá cumprir mais esta obrigação de bom motorista a partir das informações veiculadas na imprensa, daquelas prestadas pelos frentistas dos postos de gasolina ou quando for abordado por um guarda ou policial rodoviário.

Neste último caso, poderá ser cumprimentado com indigesta multa de trânsito. E esta geralmente causa um calor quase-fogo de indignação, para o qual o extintor, mesmo o do tipo de pó ABC, não tem qualquer eficácia. Principalmente, se estiver com data de validade vencida. O fogo causado pela infração de trânsito, somente pode ser apagado pelo pó do dinheiro, com o pagamento do valor da multa, no prazo previsto na notificação de penalidade ou quando do licenciamento.

Pessoalmente, penso que o extintor de incêndio é um acessório inútil. É mais um adereço – elevado à categoria de obrigatório – que nossos carros devem portar. Nos casos de incêndio de maior intensidade, acaba sendo ineficiente. Nunca vi ninguém ser salvo das ferragens de um automóvel em fogo, pela utilização deste equipamento. Com o choque, é comum que a dianteira do carro fique amassada e isto, além do próprio fogo, torna o equipamento inacessível.

É claro que o Contran deve ter números que demonstram a utilidade dos extintores para a segurança do trânsito e para salvar vidas. Mas é preciso tomar cuidado com estatísticas, muitas vezes realizadas por encomenda daqueles que têm interesse no seu resultado. Afinal, a substituição de todos os extintores representa um negócio de mais de 500 milhões de reais. Não é mais grave porque será exigida ao longo dos próximos anos.

A meu ver, a inutilidade do extintor é mais evidente nos automóveis, cada vez mais compactos (felizmente o Contran ainda não está exigindo extintor nas motocicletas!). Nos pequenos carros, que refletem uma necessidade econômica e ambiental, já não há lugar para as pernas do passageiro e, no entanto, é preciso ali enfiar esse cilindro da ilusão da segurança contra o fogo.

No meu carro, considerado de porte médio, mandei trocar o extintor que está colocado embaixo do banco do condutor. Os três primeiros funcionários (muito menos eu) não souberam como dali retirá-lo. Foi necessário um quarto funcionário que, com a opinião dos demais, conseguiu fazer a troca. Creio que em outros carros não é diferente.

Tenho informações de que, em muitos países, o extintor não é considerado um acessório obrigatório. Entretanto, o Contran insiste na sua obrigatoriedade e na substituição – não de forma imediata para todos, é verdade – dos extintores já instalados, por um novo bem mais caro. Nem o direito adquirido dos milhões de proprietários foi respeitado e isto é grave.

Salvo em caminhões e ônibus, creio que o mais sensato seria considerá-lo facultativo. Se assim fosse, não creio que haveria maior insegurança no trânsito.

E teríamos – isto sim – a segurança de não sermos penalizados por causa de um acessório ineficiente para apagar incêndios, mas que tem sido um bom pretexto para a aplicação de multas.

João José Leal professor do CPCJ/Univali. ex-procurador-geral de Justiça e promotor de Justiça aposentado, ex-diretor do CCJ/FURB, associado do IBCCrim e da AIDP.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo