São Paulo (AE) – Bem, o referendo das armas já passou, mas Querida Wendy continua tão instrutivo quanto antes. Na verdade, esse filme de Thomas Vinterberg (com roteiro de Lars von Trier) diz mais sobre a posse desses utensílios do que O Senhor das Armas, estrelado por Nicolas Cage. Neste, o foco maior era sobre o tráfico ilegal de armas em nível internacional. Os "clientes"? Em especial os países do assim chamado Terceiro Mundo, África em particular.
Já no caso de Querida Wendy temos uma pequena fábula sobre o fetichismo das armas. Habilmente, Vinterberg procura desfazer alguns estereótipos. Por exemplo, evita associar, num primeiro momento, armas e temperamento violento. Seria óbvio demais. Por isso, em princípio, não são brucutus os que cultuam as armas. Trata-se somente de um grupo de jovens, estetas digamos assim, aficionados de pistolas antigas e que se exercitam numa velha mina desativada. O grupo, que se autodefine como "Os Dândis" professa a estranha união entre culto às armas e pacifismo. Nunca sacar de um revólver contra alguém – eis o mandamento número 1. Mas o equilíbrio não pode durar para sempre como verá o espectador.
O interessante do filme é mostrar como o fascínio pela violência pode estar embutido até mesmo num comportamento dito pacifista. E que as armas "pedem" pela violência, porque esta é a sua vocação. Alteram o comportamento de quem as possui. De resto, o filme é um primor de ironia sobre esse pacifismo envergonhado e relativo, que se arma até os dentes apenas para "garantir a paz". Seria um filme de utilidade pública, caso fosse levado a sério. O visual é barroco, envolvente.
"Cinema, Aspirinas e Urubus", do pernambucano Marcelo Gomes, tem conquistado a platéia em outra chave – pelo despojamento. A história é a de uma amizade inusitada. Durante a 2ª Guerra, um sertanejo, Ranulfo (João Miguel) e um alemão, Johan (Peter Ketnath) se conhecem na caatinga nordestina. Ranulfo quer ir embora para o Rio; Johan é representante de um laboratório alemão e vende aos sertanejos uma nova droga milagrosa, a aspirina. Enquanto não consegue realizar o sonho de ir para a então capital federal, Ranulfo aceita trabalhar para o alemão.
Este é um filme de silêncios, de frases insinuadas, de sentido lacunar. O que não quer dizer que seja difícil. Nada disso, e muito pelo contrário. Significa apenas que uma obra de ficção – na literatura ou no cinema – pode ser depurada de um sentido impositivo e deixar muita coisa por conta da imaginação do público. Nessa mesma direção, Gomes trabalha com uma estética simples, em que nada sobra e, pensando bem, nada também falta. Não hesitaria em dizer que é um dos melhores filmes brasileiros dos últimos anos.
Documentário
Por dentro da Garganta Profunda é um título que dá dupla leitura. Mas não deixa de ser muito interessante como registro e reflexão sobre o grande sucesso erótico dos anos 70, Garganta Profunda, de Gerald Damiano, estrelado por Linda Lovelace. Talvez seja o filme com maior relação custo/benefício da história do cinema: custou US$ 25 mil e rendeu US$ 600 milhões. Mas cobrou caro dos seus protagonistas. O ator principal chegou a ser preso e tornou-se alcoólatra. A atriz nunca se livrou do estereótipo. E seu título acabou denominando o informante secreto do caso Watergate, cuja identidade foi revelada apenas este ano. É um filme de depoimentos, e bastante instrutivo sobre a duplicidade moral da sociedade americana.