Digam o que disserem as caixas-pretas; sejam quais forem as análises dos dados que oferecem aqueles equipamentos de registros de vôo do avião da TAM que se espatifou ao tentar pousar no Aeroporto de Congonhas, a verdade é que se perderam duzentas vidas. E espalhou-se uma dor lancinante nos familiares e amigos das vítimas e aflitiva em toda a nação. Foi o maior desastre aéreo já registrado no País. O segundo em menos de um ano, em meio a um verdadeiro caos aéreo. E o maior registrado em todo o mundo nos últimos cinco anos. Esse quadro dantesco nos desvia o foco, aliás nunca muito claro, dos desastres que ocorrem em terra, nas nossas estradas, com mais vítimas do que o desastre aéreo com o avião da TAM.

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No período de férias em que o Airbus bateu contra o prédio contíguo ao Aeroporto de Congonhas pertencente à própria companhia dona da aeronave, morreram nas estradas brasileiras mais que o dobro das vítimas da catástrofe da TAM. O próprio caos aéreo já havia feito com que milhares de passageiros de aviões desistissem de viajar nesse que deveria ser o mais confortável e rápido meio de transporte e optassem pelas rodovias, seja em automóveis ou em ônibus. Com essa decisão, de certa forma forçada porque a viagem aérea em muitos casos tornou-se praticamente impossível e em outras um sacrifício insuportável, as rodovias brasileiras passaram a ter um tráfego mais ou menos 20% a 30% maior do que o usual.

As rodovias do País, em especial as federais, já estavam sucateadas. No final do primeiro governo Lula foi desencadeada uma operação emergencial. Maquiagem à custa de muitos milhões de reais para tapar buracos que em poucas semanas voltaram a aparecer, tornando as estradas novamente quase intransitáveis. Na nossa malha viária as más condições das pistas causam demoras, danos nos veículos, acidentes e vítimas. Feridos e mortos. Para a nação, também prejuízos que podem ser quantificados em termos de dinheiro, mas que são tantos que ninguém ousou fazer as contas. Se adicionarmos a essas despesas o custo do socorro às vítimas, sejam feridos ou mortos, com gastos em mobilização de veículos e equipes de socorro, hospitalizações, medicamentos e até mesmo funerais, chegaremos à triste e estarrecedora conclusão de que o povo paga também essa fatídica conta.

Poderia ser menos atroz esse mal das estradas? Sim. Indubitavelmente sim, já que está provado que quase todos os acidentes rodoviários são causados pelas más condições das rodovias e pela imprudência dos motoristas. As más condições são responsabilidade do poder público e este tem de ser forçado a corrigi-las, oferecendo rodovias suficientes e em condições de tráfego. A imprudência de motoristas é em geral considerada crime culposo, ou seja, por negligência, imprudência ou imperícia. Ou a combinação desses fatores. As penas são ridículas e pouco aplicadas. Mas quem é ferido ou morre sofre tanto quanto as vítimas de crimes dolosos.

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É de se pensar que o caos aéreo é menos grave que o caos terrestre. É hora de começarmos a punir os maus motoristas, os imprudentes, com penas severas e de rápida aplicação, para que pensem duas, três ou dez vezes antes de correr e fazer terceiros correrem riscos nas estradas. E, quem sabe, até aplicar-se responsabilização civil aos maus motoristas, e aos governos por sua incúria, enfim, aos responsáveis. Os governantes, pessoalmente, que sejam sujeitos a penas de indenização por não manter em ordem as rodovias. E os maus motoristas, mesmo que venham a falecer, que seus bens e as heranças que deixem respondam pelas despesas necessárias ao atendimento de suas vítimas. Achar que, quando o povo é quem paga, vale tudo, leva ao caos, seja no ar ou em terra.