“E as palavras, eu que vivo delas, onde estão?”. A perplexidade de Armando Nogueira com a magia da seleção brasileira da Copa de 1970 veio à mente no momento em que surgiu a notícia da morte de Diego Maradona, nesta quarta-feira (25), em Tigre, na Argentina. Que palavras descreveriam a trajetória singular do craque que mudou a cultura do futebol mundial?
Talento? Era absurdo. Daqueles que até o aquecimento antes da partida já valia o ingresso. As peripécias de malabarista da bola poderiam colocar Maradona em um lugar diferente, mas ele não era só isso. Ele era todo gol, todo futebol, todo equipe. Ele usava a capacidade espetacular de jogar futebol a serviço da sua equipe – do Argentinos Juniors até o Napoli e a seleção de seu país.
É só lembrar como Valdano e Burruchaga, jogadores de qualidade, viraram craques a seu lado. Como Alemão se transformou em um meio-campista completo. E Careca passou de artilheiro a um dos maiores centroavantes da história do futebol brasileiro. Todos tiveram Maradona a guiá-los pelos caminhos do futebol. Maradona sempre foi único, mas fazia o time em torno de si ser maior.
Anjo torto
Além de Armando Nogueira, pensei em Garrincha quando soube da notícia. Assim como Mané, Diego Maradona escolheu ser gauche na vida, como resumiu Carlos Drummond de Andrade. Ele não seria “o novo Pelé”, seria sim “Don Diego”, o craque contestador, da barba por fazer, do cabelo comprido e das declarações cortantes.
E que não fez concessão nenhuma na vida. Fez o que quis, inclusive minar seu organismo com o vício em drogas, que infelizmente ajuda a explicar a morte com apenas 60 anos. A imagem dele alquebrado, com o rosto desfigurado, nos últimos anos de sua vida, machucava quem ama futebol e viveu o auge de Dieguito nos anos 1980. E emulava o Mané Garrincha dos últimos dias, em que o álcool já destroçara seu corpo.
Maradona foi um craque global. Visto pelo planeta desde as canteras da Argentina até seu último ano, numa chácara à beira do rio. Fez do futebol uma utopia, que permitia unir o talento, a contestação e a liberdade plena em um único esporte. Da Mano de Dios da Copa de 1986 ficou um outro apelido. Mas de Diego Armando Maradona fica uma vida. E parte mais um pedaço de todos nós.