Mortandade absurda no trânsito: até quando?

A ONU (Organização das Nações Unidas) instituiu o dia 21 de novembro como dia mundial em memória às vítimas do trânsito (http://www.memorialvitimasdetransito.com.br/segura.asp). Além de reverenciar essas vítimas e seus familiares, temos que aproveitar a ocasião para chamar atenção de todos os brasileiros para a denominada “cultura da segurança viária”. Os números da tragédia no mundo todo são assustadores.

Analisando as estatísticas consolidadas em 2007 pela Organização Mundial da Saúde (OMS: http://www.who.int/en/) temos: Índia com 105,7 mil mortes por ano, China 96,6 mil, Rússia, 35,9. Consoante o International Transport Forum (http://www.internationaltransportforum.org), os Estados Unidos registraram 37.261 mortes no trânsito em 2008 e toda a União Europeia (Portal da União Europeia: http//:europa.eu) 34.500, no ano de 2009.

Com aproximadamente 37 mil vítimas fatais apenas em 2008, segundo dados preliminares do CESVI (Centro de Estudos Automotivos), o Brasil mata mais no trânsito do que outros países em conflitos armados ou em guerras internacionais.

Na guerra dos Estados Unidos contra o Iraque, por exemplo, 109.000 pessoas foram mortas de 2003 a 2009 (dados do site Wikileaks.org). Cerca de 18 mil mortes por ano. O trânsito brasileiro mata mais que o dobro disso anualmente (102 pessoas por dia; 5 vítimas por hora). De 2002 a 2008 morreram (no Brasil) 247.430 pessoas (dados extraídos do CESVI Centro de Estudos Automotivos).

No ano de 1996, o número de mortes (no nosso país) era de 35.281. Em 2008 foram 36.666 vítimas fatais. O Código de Trânsito brasileiro (de 1998) significou sensível melhora (tanto assim que no ano 2000 as mortes diminuíram 18%). Mas logo que o seu efeito preventivo e repressivo se arrefeceu, logo que a fiscalização diminuiu, os números voltaram aos patamares de 1996. A famosa “lei seca” (de 2008) gerou a diminuição de 2% nas mortes. Em 2010, no entanto, todos os indícios dão conta de que voltaremos para o patamar de 37 mil mortes por ano.

Totalmente desprovido de uma Política Pública de Trânsito, o Brasil ocupa o 5.º lugar no ranking dos países de maior mortalidade no trânsito (atrás apenas da Índia, China, Estados Unidos e Rússia, dados extraídos da Organização Mundial de Saúde: http://www.who.int/en/.

A União Européia, em contrapartida, vem apresentando um dos melhores resultados nesse âmbito, com seus “programas de segurança rodoviária” que compreendem inúmeras medidas de prevenção, de eficácia indiscutivelmente comprovada (cf. Portal da União Europeia: http//:europa.eu).

O objetivo prioritário desses programas consiste na redução pela metade no número de mortes em toda a União Européia. Os resultados provisórios revelam que no período compreendido entre 2001 e 2009, ela conseguiu reduzir em 36% o número de mortes decorrentes de acidentes de trânsito.

Embora o número alcançado não tenha caído para a metade (como se pretendia), o resultado foi absolutamente favorável e digno de destaque. Tomando como base o período de duas décadas, ou seja, de 1991 a 2009, o número de vítimas na Europa teve queda de 54%. Considerando apenas o período de 1996 a 2009, a redução é de 42% no número de mortes.
Enquanto a União Europeia reduziu drasticamente seu número de mortes no período de 1996 a 2009 (42%), o Brasil não evoluiu absolutamente nada em termos de uma política preventiva no trânsito, já que durante o mesmo período nosso número de vítimas fatais aumentou em 4%.

O exemplo da União Europeia nos conduz a reivindicar, para o Brasil, a construção de uma verdadeira Política Pública de Trânsito. Não existe milagre! A fórmula do sucesso, nessa área, é a seguinte: EEFP. Educação, Engenharia, Fiscalização e Punição, com priorização absoluta para as medidas preventivas, tais como: construção de vias públicas mais seguras, incremento substancial na fiscalização, desenvolvimento de veículos inteligentes e mais seguros, rigorosa formação (educação) e mais treinamento dos condutores etc.

O legislador brasileiro, com amplo apoio midiático, no entanto, só insiste na sua equivocada política populista “penal” (leis penais mais duras) que, para além de enfrentar a morosidade do judiciário brasileiro, também acaba gerando muita impunidade em razão da sua qualidade técnica questionável (esse é o caso, por exemplo, da atual exigência de uma taxa de alcoolemia no crime de embriaguez ao volante). Muito mais do que leis punitivas, que cumprem papel mais simbólico que real, para a diminuição das mortes no trânsito faz-se necessário um grande investimento em medidas de prevenção. Melhor prevenir que remediar!

Isso resultaria em uma grande economia (humana e orçamentária) para nosso país, visto que os gastos gerados pelos acidentes nas estradas chegam ao exorbitante montante de 22 bilhões de reais por ano, ou cerca de 1,2% do Produto Interno Bruto (segundo dados divulgados pelo IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

A mortandade absurda, descabida e desproporcional no trânsito brasileiro, típica de uma guerra civil, tem solução. Muitos outros países já encontraram a sua. O Brasil, como 8ª economia do mundo, se pretende se apresentar interna e internacionalmente como país civilizado, tem que enfrentar essa questão imediatamente.

Impõe-se uma enérgica mobilização em todo país. Não podemos nos conformar com tantas mortes e tantos gastos decorrentes dos acidentes de trânsito. Em jogo está o avanço civilizatório do país. De políticas puramente “repressivas” e inócuas já estamos todos fartos. A prevenção é o caminho correto, necessário e urgente. A Europa já descobriu isso há duas décadas e já está colhendo os bons frutos dessa política acertada. No Brasil ainda estamos esperando o quê?

Luiz Flávio Gomes é Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Twitter: www.twitter.com/ProfessorLFG. Blog: www.blogdolfg.com.br. Pesquisadora: Natália Macedo.

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