A cidade de Hiroshima, destruída pela explosão da primeira bomba atômica, renasceu graças às suas mãos habilidosas. Hoje, o mundo perdeu o arquiteto Kenzo Tange, aos 91 anos, vítima de insuficiência cardíaca. Criador de alguns dos mais ousados projetos arquitetônicos do Japão, Tange fez do Parque da Paz de Hiroshima, em 1949, não só uma referência arquitetônica, mas um marco na consciência mundial, ao promover o diálogo entre a tradição oriental e a modernidade ocidental. Foi Le Corbusier que atraiu os olhos do jovem estudante Tange quando ainda era um estagiário do escritório de Kunio Maekawa, discípulo do mestre francês, mas foram as lições do passado de seu pais que marcaram a linha de atuação do arquiteto.
Nascido na pequena província de Imabari, na ilha Shikoku em 1913, Tange tornou-se conhecido no Ocidente ao projetar o estádio nacional de Yoyogi para os Jogos Olímpicos de 1964, exemplo de conciliação entre o purismo de Le Corbusier e a limpeza formal da melhor arquitetura japonesa tradicional. O edifício do Memorial da Paz de Hiroshima, construído sobre pilares, é um exemplo disso. Aspira à monumentalidade, mas não confronta dois mundos diversos, respeitando a escala humana e provando que a coexistência não só é possível como necessária. Os projetos posteriores de Tange conservam esse aspecto grandioso. Combinam alta tecnologia com os princípios humanistas que moveram os primeiros arquitetos modernos, ao respeitar o primeiro mandamento da arquitetura bauhausiana: forma segue função.
A catedral de Santa Maria (1963), em Tóquio, projeto da mesma época do estádio nacional de Yoyogi, é prova incontestável dessa vocação para a pluralidade. O projeto, em forma de cruz, da qual emergem parábolas hiperbólicas, é uma comovente homenagem de Tange à cristandade gótica, feita de aço e concreto. Poderia ser um frio edifício, mas não. A catedral tornou-se referência obrigatória, inspirando outros famosos arquitetos no mundo a projetar templos religiosos com características semelhantes.
Sempre atento a questões urbanísticas, Tange elaborou um plano para a Tóquio dos anos 1960 que até hoje é modelo para metrópoles que crescem sem estrutura para absorver mudanças em seu perfil. Usando pontes e megaestruturas, o arquiteto forjou uma nova espacialidade que os italianos não tardaram em reconhecer. Em 1967, ele foi chamado a Bolonha para redesenhar parte da cidade e conceber uma nova cidade na Catânia.
A fórmula de Tange não tinha nada de complexa. Sua definição de arquitetura era, na verdade, bastante simples: "Ela deve ter algo que comova o coração com formas básicas sem negligenciar a lógica espacial, usando a tradição como se fosse o elemento catalisador de uma reação química." É um recado direto aos pós-modernos, que resumiram a arquitetura a um atividade que considera apenas a fusão de elementos estéticos díspares do passado e do presente. Por conta disso, foi uma única vez chamado a trabalhar nos Estados Unidos (o projeto de ampliação do Museu de Arte de Minneapolis). Isso não impediu que Tange, merecidamente, fosse premiado, em 1987, com o Pritzker, o Nobel de arquitetura. Seu último projeto foi realizado um ano depois: a sede da TV Fuji, uma esfera gigantesca que flutua entre volumes retos.