Mordaça ou Lei da Responsabilidade?

É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional. Estes incisos ? IV, IX e XIV ? do art. 5o da Constituição Federal fornecem os parâmetros para a análise da questão abrigando o segredo da justiça, as denúncias feitas pelo Ministério Público sobre casos de corrupção envolvendo políticos e empresários e a divulgação de fitas com diálogos “grampeados” entre os figurantes dos casos. O cruzamento entre as posições expressas não deixa dúvidas: o exercício profissional pode impor a necessidade de sigilo da fonte.

Analisada sob esse prisma, a questão que se coloca é sobre a conveniência de uma Lei para regulamentar o sigilo em torno de casos que correm na Justiça. Ora, esta disposição já está bastante clara na Constituição. Se todos são iguais perante a lei, os membros do Ministério Público e a Imprensa, no atendimento das disposições constitucionais, hão de se comportar com responsabilidade. Não se fere a liberdade de imprensa quando se cumpre a determinação de preservar o segredo de justiça. Da mesma forma, os membros do Ministério Público não terão suas prerrogativas diminuídas quando deixam de formular denúncias que ainda estão sendo apuradas, mesmo que imprensa e MP procurem justificar suas posições com o argumento do “interesse público relevante”.

Se a Constituição garante o segredo de justiça e a liberdade de imprensa, a questão que deve ser posta, na avaliação do conflito entre os dois valores, abrange os limites entre aqueles campos. Entendemos que o problema deve ser examinado também sob o prisma da responsabilidade e da ética. Os meios de comunicação de massa devem ter como tarefa precípua a defesa da sociedade e a estabilidade das instituições, dentro do regime político adotado pelo país. Nesse sentido, a obrigação que integra seu múnus é a de fixar seus próprios limites éticos, o que implica, primeiramente, dar força aos dispositivos constitucionais que disciplinam a ordem normativa e a vida das instituições políticas e sociais. Sua visão utilitária, relacionada ao lucro, há de estar compatibilizada à missão social, que imprime à comunicação de massa um relevante e cada vez mais importante papel na orientação dos grupamentos sociais. Intui-se, assim, que o denuncismo exacerbado, às vezes com intuitos mercadológicos, pode, sob o abrigo de uma liberdade que extravasa os limites do bom senso, descambar para a transgressão legal.

Na esfera do Ministério Público, não podemos deixar de aplaudir o esforço de ilustres promotores, que fazem o extraordinário trabalho de expurgar as malhas intestinas do poder paralelo. São animadoras as perspectivas que se abrem para se construir uma Nação emoldurada pela ética, retocada pela punição a corruptos e criminosos, banhada pelo civismo e pela cidadania. Parcela considerável dessa Nação em construção deve-se ao abnegado esforço do próprio Ministério Público que, em sintonia com a OAB, comunga da meta social do bem comum. Mas há de se alertar para o perigo que os holofotes certamente trazem para determinadas situações e seus atores. A fosforescência que se imprime a determinados eventos, com uma avalanche de denúncias no meio dos casos que estão sendo objeto de investigação, acaba esmaecendo a força dos próprios porta-vozes. A razão fica bastante clara: o individualismo de alguns membros do MP supera a força da própria denúncia, na esteira de uma exacerbação expressiva que acaba transformando o cenário sagrado da Justiça em salão de pirotecnia. Isso é um perigo.

Portanto, não se trata apenas de defender uma Lei de Mordaça. Trata-se, sobretudo, de cumprir o que a nossa Constituição dispõe. Trata-se de responsabilidade. Deve-se reduzir a amplitude do segredo de Justiça, limitando-se sua possibilidade de concessão? Se a questão for essa, que se abra a discussão. Deve-se interpretar a liberdade de imprensa como direito incondicional de dizer tudo a todos, em todos os momentos? Se a questão comportar esta análise, que se promova um debate aberto e plural. O que não podemos admitir é a transgressão das normas constitucionais, da maneira abusiva como se constata.

Portanto, defendemos uma lei que proteja a honra do cidadão.

Luiz Flávio Borges D?Urso, advogado criminalista, é presidente da OAB-SP

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