Nem fome, nem juro alto, nem preços em disparada, nem a violência na cidade e no campo. O que está alimentando o debate nacional é a data da posse do novo presidente eleito da República. A Constituição determina o dia 1.º de janeiro. Alguém deu a idéia ? e muitos gostaram ? de transferi-la para o dia 6 ou 7, depois das festas de fim e começo de ano. E criou-se o entrevero: o presidente atual, também eleito pelo povo, não quer mudança porque diz que não tem vocação para biônico; a turma do novo presidente quer a alteração ante a evidência de que, numa outra data, a festa será maior. Se é questão de festa, pois, que se comece estourando foguetes já.
Para os que se alinham pela mudança, a proposta tem lógica, fundamento e sentido. Dia 1.º do ano é dia de festa para todos, no mundo inteiro. Que chefe de Estado deixará seus compromissos para vir à posse de Luiz Inácio Lula da Silva? Nem Fidel Castro, segundo já andaram dizendo por aí, maldosamente. E esse fato, além de tirar o brilho da posse do primeiro metalúrgico com a faixa presidencial, empresta uma dimensão menor ao Brasil, que sai perdendo, já de cara, oportunidade de fazer bonito.
Do outro lado, quem se submeteu às regras do jogo sem chiar, as razões também não são menores. Vão desde a ironia (o vice-líder do governo no Senado, Romero Jucá, aconselhou o PT a promover o sorteio de uma Mercedes-Benz para garantir a vinda de chefes de Estado na posse de Lula) até o desfilar de motivos sérios para uma posição calcada em dispositivo constitucional. Entre eles está o presidente Fernando Henrique Cardoso que, ante a insistência pela mudança, resolveu radicalizar: é contra e está acabado.
FHC tem razão. A mudança preconizada pelo PT (e seria a primeira de quantas?) implica dois desrespeitos à vontade popular expressa nas urnas: o alongamento do mandato do atual presidente e o encurtamento do mandato do próximo. Neste último caso, a se manter o novo calendário lá adiante, digamos que não seria bem encurtamento, mas uma mudança de data. Sempre ao arrepio da Constituição, entretanto.
A questão, na verdade, não é saber quem está com mais razão. Trata-se de uma proposta que viola a Constituição e isso é grave, tanto faz se por um dia, se por uma semana ou mais. E se o mandato veio do povo, somente o povo ? e não o Congresso ? tem legitimidade para fazer a alteração. Por qual motivo não levantaram essa questão antes, de tal forma que o eleitor ficasse ciente de que estava elegendo alguém para reinar a partir da data tal?
Essa ? conforme considera FHC em terras estrangeiras ? é uma questão constitucional séria: Congresso tem poder para prorrogar mandato? Se tem poder para prorrogar mandato, tem para diminuir. A violência constitucional, em qualquer caso, é a mesma. Seria qualquer coisa parecida com o fato de, não gostando da performance de Lula na Presidência, o Congresso se reunisse e decretasse o fim do brilho da estrela – um golpe. Seria mais didático e consoante com o discurso de respeito aos pactos e contratos, se o PT e Lula colocassem fim a essas minudências. Começar passando por cima da Constituição e da vontade popular expressamente manifesta ? mesmo em nome de uma boa festa, como é o caso – é um mau sinal. Lula não precisa disso.