A cultura do jeitinho brasileiro é prática também dos homens do governo. E Lula não escapa ao vício. Ou qualidade, sabe-se lá o quê! Neste ano assistimos a vários episódios dessa natureza, quando o presidente, e o seu PT, usou dois pesos e duas medidas. Tratou adversários com a lei e os amigos com o jeitinho. Só que foi longe demais, até criando leis novas para proteger os seus e adotando medidas arbitrárias para punir os que contrariaram seus interesses, mesmo que escusos.
O caso mais rumoroso foi o do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que por sua história de relações com os petistas até parecia não merecer tantas deferências. Meirelles, executivo mundial do Banco de Boston e deputado federal eleito pelo PSDB de Minas Gerais, assumiu a presidência do Banco Central engolido pelos petistas que o detestavam, pois representava (e ainda representa) a chamada política neoliberal de Pedro Malan. Foi presidente de banco estrangeiro e é favorável à independência do BC. Ou seja: tudo o que o PT sempre combateu e detestou.
Mas a força do ministro da Fazenda, Antônio Palocci, prevaleceu. Este é favorável a uma política fiscal rígida, com produção de crescentes superávites para sobrar dinheiro que pague os juros e, se possível, parte da dívida externa. Com esta política concorda Meirelles e é homem talhado para executá-la. Contra esta política, sempre foram os petistas de carteirinha, os companheiros de Lula e o próprio Lula, vencidos afinal pelas imposições do Fundo Monetário Internacional e do mercado internacional. Ou pelo bom senso, como preferem os liberais mais ortodoxos.
Descoberta a remessa irregular, quando não ilegal, de bilhões de dólares para o exterior, dinheiro de ricos, de banqueiros, de traficantes, políticos e sabe lá de quem mais, criou-se a CPI do Banestado. Ganhou o nome do falecido banco paranaense porque ele foi o principal instrumento para as remessas desse dinheiro, que desembarcou quase sempre em paraísos fiscais.
Essa CPI deu numa grande pizza. Foi revelada menos de uma centena de nomes de pessoas que remeteram dinheiro de forma irregular para o exterior. Ou dinheiro de origem escusa. Aí entraram também alguns inocentes e faltaram centenas de culpados, porque gente do governo. A comissão não teve relatório final aprovado e tudo ficou para as calendas. O Ministério Público, que o governo decidiu enfraquecer e afastá-lo das investigações de crimes, quando começou a tratar de ilícitos praticados por aliados, acabou recebendo a incumbência de examinar a papelada e ver se consegue indigitar os malandros que sangraram as finanças do País.
Henrique Meirelles, o presidente do Banco Central, entrou nessa, apontado por remessas para o exterior de dinheiro que ele sustenta ser legítimo. Mas bastou para que fosse atacado pelos petistas de carteirinha, por opositores do governo e inserido no rol dos suspeitos. O que fez o presidente? Baixou uma medida provisória e forçou a sua aprovação pelo Congresso Nacional, blindando Meirelles. Ele se tornou intocável ou, no mínimo, merecedor de foro privilegiado. Ganhou status de ministro. Pois em 2005 poderá perder essa blindagem. A Suprema Corte poderá infligir a ele e ao governo uma derrota, decidindo que é não é ministro coisa nenhuma. O antecedente acaba de acontecer. O Supremo Tribunal Federal decidiu que o titular da nova pasta de Aqüicultura e Pesca, José Fritsch, não é ministro, como quer Lula. Se este ministro especial não é ministro ordinário, quanto mais Meirelles, que é presidente de um banco subordinado ao ministro da Fazenda. Uma bionice idêntica àquela criada pela ditadura militar, quando o chefete de plantão nomeou um terço do Senado da República. Os senadores biônicos passaram a ser tratados como "picaretas da República".