As posses dos chefes de poderes, numa democracia, são fatos importantes e solenes. Neles, o protocolo se impõe à ansiedade por manifestações de protesto, mais ruidosas. Há que se saber usar com propriedade as palavras e os gestos, como quem à mesa tem de manipular com acerto e destreza os talheres, mesmo que estejam vazios e haja fome. Tomou posse o novo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim, e a nova vice, ministra Ellen Gracie.

O protocolo exigia que Luiz Inácio Lula da Silva, como presidente da República, lá estivesse, mas permanecesse calado. Nem usaria da palavra o presidente do Congresso, senador José Sarney, ou o presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha. E de todos estes e mais ministros do governo e outras autoridades, estava recheada a cerimônia do Supremo Tribunal Federal.

Mas ouviu-se a palavra do paranaense Roberto Busato, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, e ele não fez poupança de críticas, em nome do cerimonial. Não se ateve aos salamaleques do protocolo. Deitou verbo em assuntos de real interesse do povo, dizendo verdades que há muito deviam estar sendo proclamadas em ocasiões tão importantes. Disse, por exemplo, que o salário mínimo ínfimo de R$ 260,00 é inconstitucional, oxalá criando rubores nas faces de quem o propôs e impôs, já conseguindo aprovação na Câmara dos Deputados. Falta o Senado.

Busato afirmou, com incontestável razão, que o mínimo tão baixo é inconstitucional porque não atende as necessidades vitais básicas do trabalhador, o que está previsto na Carta Magna. “O salário mínimo brasileiro é inconstitucional. Não atende quesito algum estabelecido pela Constituição. Ano a ano, o que se tem é o reajuste de uma ilegalidade, o reajuste da miséria”, disse com toda as letras o presidente nacional da OAB. Busato não se limitou a apontar a inconstitucionalidade do salário mínimo em suas críticas. Verberou também a quantidade de medidas provisórias que o governo tem editado. “As medidas provisórias continuam a ser utilizadas sem observância ao preceito constitucional de “urgência e relevância”. “O seu uso compulsivo gerou um ambiente de promiscuidade legislativa”, disse o presidente da OAB.

Num e noutro casos, a inconstitucionalidade é flagrante. O mínimo é definido na Carta Magna como uma quantia capaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador. E aí entram alimentação para si e seus familiares, educação, saúde, moradia, enfim, o indispensável para que se viva com dignidade. E quem pode viver com dignidade com R$ 260,00 por mês?

Quanto ao uso e abuso das medidas provisórias, a ilegalidade está no fato de que a Constituição permite que o executivo legisle através delas, para posterior apreciação pelo Congresso, desde que haja “urgência e relevância”. Mas, como lembrou o advogado Busato, o atual governo já editou 88 medidas provisórias, uma média de cinco por mês.

A bem da verdade, essas inconstitucionalidades, a do mínimo irrisório e a do excesso de medidas provisórias, já ocorriam no governo passado. O advogado paranaense que preside a entidade máxima da classe acrescentou que o povo se manifestou, nas últimas eleições, para mudar o modelo econômico vigente, “anseio que persiste até hoje e aguarda firmemente o seu momento”. Isso era para os ouvidos de Lula e da equipe econômica, também presente. Amainando o clima, Busato disse confiar na reforma do Judiciário sob o comando de Jobim.

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