A sociedade que não respeita os direitos fundamentais humanos, dando-lhes prioridade, torna-se desumana e, conseqüentemente, insuportável.
Jurgen MoltmannCuritiba, de 24 a 26 de outubro p.p., foi palco de um dos maiores desafios havidos nas discussões relativas aos direitos humanos no cenário internacional. Isso ocorreu por ocasião do IV Fórum Social da Integração e do Mercosul, organizado com sucesso pela Ajial – Associação de Juristas pela Integração da América Latina, coordenado pelo professor doutor Wagner Rocha D’Angelis.
O pensar social pretendido neste ensaio terá como especial enfoque a pobreza e a miséria, no qual demonstrar-se-á alguns dados estatísticos de grande preocupação. O jornal O Estado do Paraná de 24.09.2000 apresenta o seguinte quadro: “O planeta Terra está com 6 bilhões e 55 milhões de pessoas; 2 bilhões de humanos vivem em condições de miséria total; 80% das pessoas vivem em países subdesenvolvidos; 145 pessoas nascem por minuto; 2,4 por segundo; 76 milhões de crianças nascem todos os anos. Entretanto, 60 milhões de meninas não nascem anualmente por causa de abortos seletivos – pais não querem membros do sexo feminino em suas famílias; …”.
Contudo, representantes das grandes potências mundiais, lideradas pela ONU – Organização das Nações Unidas têm se preocupado com os números alarmantes acima mencionados e resolveram em conjunto estudar, planejar e executar um plano de ação, que foi apresentado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) com o apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, visando debelar a pobreza e a miséria no mundo. Reuniões têm sido realizadas e denominadas de Fórum Social Mundial. As mais recentes: novembro/1999, em Paris; junho/2000, em Genebra; abril/2001, em Davos e setembro/2002, em Londres.
É sabido que nessas reuniões – que têm sido desenvolvidas em clima de grande tensão – discutem-se os direitos humanos, tais como: pobreza e miséria, sinônimos do antidireito à vida; a não discriminação quer racial, religiosa, das mulheres, das etnias e outras; a inclusão dos deficientes físicos, visuais, auditivos, mentais; o fim da tortura, da desigualdade social; enfim, o direito dos excluídos, muito se fala e planeja mas pouco se executa de concreto visando minimizar tais situações.
Por outro lado, pode-se verificar a crescente participação da sociedade em geral, através de organismos públicos e particulares, associações, organizações não governamentais, elaborando e firmando, a partir do consenso regional e mundial, diversos instrumentos internacionais de proteção e garantia dos direitos humanos, como uma conquista – ainda que incipiente – desse novo modelo político-econômico-social, que vem marcando o avanço do processo de integração mundial.
Nesse contexto evolutivo e transformativo encontram-se os países pertencentes à América Latina, dentre eles os signatários do Tratado de Assunção – que originou o Mercosul, cujo quadro não se mostra diferente. O jornal Folha de Londrina de 18.9.2000, em matéria que tem por título “Abismo Social”, traz as seguintes informações: “A pobreza aumentou na América Latina nos últimos 15 anos, o número de indigentes cresceu de 63,7 milhões em 1987 para 78,2 milhões em 1998, (…), a porcentagem dos que vivem em estado de pobreza gira em torno de 15,6% da população, (…), no índice de pobreza relativa, que leva em conta a brecha entre ricos e pobres, América Latina apresentava em 1998 que 51,4% da população viviam com menos da terça parte do consumo nacional médio em 1993.”
Comprovando os informes retro-apresentados, o Almanaque Abril 2002, traz dados com base no ano de 1999, sendo os primeiros referentes à população em milhões e os segundos referentes ao índice de pobreza dos seguintes países da América Latina: Argentina 36,6 – 13,1%; Bolívia 8,1 – 16,4%; Brasil 168 – 12,9%; Chile 15 – 4,2%; Paraguai 5,4 – 10,2%; Peru 25,2 – 12,9%; Uruguai 3,3 – 4% e Venezuela 23,7 – 8,6%.
Sem perder de vista essas informações, cumpre afirmar que a fome é a maior ameaça deste século. Ao ser humano, na condição de pobreza ou de miséria, falta-lhe dignidade, pois as mesmas tornam-o ultrajado, humilhado, inseguro, desesperançado e, por vezes, violento. Essa ameaça reside no descompasso entre o comércio interno e o externo, ante a má distribuição interna de alimentos e a exportação desenfreada visando apenas obter suporte financeiro para saldar dívidas externas.
Em face disso, propondo no presente ensaio, como um dos meios de solução para debelar tão grande ameaça, que os países da América Latina, em especial os Estados-Partes signatários do Tratado de Assunção, adotem medidas urgentes para pensar e repensar a conjuntura social no atual momento. É hora de todos os mercosulinos envidarem totais esforços no sentido de colocar em prática os mecanismos de combate à pobreza, à miséria, à fome, sob pena de se deparar com acontecimentos assustadores desencadeados por meio de atitudes desenfreadas e violentas junto à sociedade, que muito custará para serem combatidos.
Na verdade, chegou a hora de assumir o real compromisso com o social, elaborando e firmando uma Carta Social do Mercosul que vise dar prioridade à dignidade humana dos latinos americanos.
Adiloar Franco Zemuner
é advogada e, professora da UEL. (adiloar@yahoo.com.ar)