O Mercosul será obrigado a encarar hoje a "guerra da celulose", o conflito que se arrasta há mais de um ano e meio entre Argentina e Uruguai em torno da instalação de uma indústria de papel do lado uruguaio da fronteira. O ministro das Relações Exteriores do Uruguai, Reinaldo Gargano, desembarcou ontem em Brasília decidido a apresentar queixa contra a Argentina por violação de regras de livre circulação de mercadorias e pessoas, que constam do Tratado de Assunção, o arcabouço jurídico do Mercosul. A Argentina promete revidar com a denúncia de que o Uruguai aplica sobretaxas ilegais às importações de seus produtos.
O palco da disputa será a reunião do Conselho do Mercado Comum (CMC), que agrega ministros de Economia e chanceleres dos cinco países do bloco e que deve preparar o encontro de cúpula marcado para 18 e 19 de janeiro, no Rio. Caberá aos presidentes dos países encontrar uma solução que satisfaça ao Uruguai e à Argentina e impeça o recrudescimento da crise. Para diplomatas brasileiros, o conflito tem potencial suficiente para demolir o Mercosul.
"Essa crise pode arrebentar o Mercosul", afirmou um experiente negociador brasileiro. "É mala sangre (consternação, em espanhol). Só o rei (Juan Carlos, da Espanha) ou o Papa (Bento XVI) podem apaziguar essa tensão", completou o diplomata, ciente de que Juan Carlos I aceitou mediar o conflito, no início de novembro.
A queixa uruguaia estará centrada nos bloqueios às três pontes sobre o Rio Uruguai que fazem a conexão entre os dois países, montados por ambientalistas e moradores da cidade argentina Gualeguaychú. Trata-se de protesto contra a instalação de uma filial da empresa finlandesa Botni na vizinha Fray Bentos, do lado uruguaio. As barreiras foram condenadas pelo Tribunal de Solução de Controvérsias do Mercosul. Mas essa decisão não mudou o elevado grau de tolerância do governo Néstor Kirchner para com os manifestantes.
Há mais de um ano, Kirchner evita um encontro com o presidente uruguaio, Tabaré Vázquez. Quando não é possível, não se cumprimentam. Neste ano, a Argentina levou o caso à Corte Internacional de Justiça de Haia, sob o argumento de que a fábrica poluirá o rio e acabará com o turismo na região.
O chanceler argentino, Jorge Tayana, também denunciará o Uruguai ao CMC pela aplicação de sobretaxas compensatórias sobre importações de produtos argentinos originários de quatro províncias que concedem incentivos fiscais a indústrias.
Ao ser levada ao conselho, a guerra da celulose forçará Brasil, Paraguai e Venezuela a se posicionarem sobre o conflito. Gesto que vinha sendo evitado a todo custo pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva.