Mercosul: a intergovernabilidade como modelo latino-americano (III/V)

O modelo adotado pelos signatários do Tratado de Assunção corresponde ao do processo de integração e tem como requisito fundamental manter atrelada as decisões do bloco econômico à vontade política dos Estados-Partes. Vale dizer que referidas decisões resultam do consenso de seus pares. Esse procedimento burocrático ocasiona excessiva lentidão, tornando-se empecilho ao desenvolvimento integracionista.

Também por isso, o Mercosul vem sofrendo os percalços das demoras nas tomadas de decisões e, principalmente, atrofiando o processo integracionista. As evidentes divergências entre Brasil e Argentina, causando instabilidade entre as relações econômicas dos principais sócios, demonstram claramente a fragilidade desse modelo derivado exclusivamente do consenso estatal.

Assim, pela escolha, o Mercosul adotou o sistema da intergovernabilidade, que quer dizer que as normas produzidas no âmbito integracionista devem ser internalizadas pelos Estados-Partes para produzirem efeitos jurídicos.

Por outro lado, ao enfrentar as disparidades constitucionais existentes entre os Estados-Partes, o Mercosul terá condições de superar as dificuldades inerentes ao processo de integração. Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai devem harmonizar o seus ordenamentos jurídicos em diversas áreas, mas, principalmente, quanto à abertura da soberania.

A Argentina e o Paraguai realizaram estudos e alteraram seus textos constitucionais prevendo a institucionalização de órgãos supranacionais comunitários na integração da América Latina. Medidas essas que antecipam uma decisão coletiva visando reduzir tempo para atingir os patamares propostos para o Mercosul. O Uruguai, em sua Constituição faz apenas menção à prioridade da integração latino-americana, mas não prevê a possibilidade de adequação de um modelo mais flexível, impossibilitando, assim, a criação de órgãos superiores ao de seu Estado soberano.

Quanto ao Brasil, freqüentemente tem havido estudos e discussões no âmbito do legislativo sobre o assunto. Porém, os projetos de lei (aplaudidos por uns e peremptoriamente rejeitados por outros) que visam dar um novo significado à soberania, até o momento restaram fracassados. Cabe registrar uma crítica ao estilo brasileiro: O Brasil, por intermédio de seus representantes governamentais, sempre procurando a aproximação de idéias e atitudes integracionistas, participa das discussões e firma acordos, tratados e protocolos. Entretanto, quando necessária a tomada de decisão para alterações legislativas (como anteriormente referido) que tem por vista a implementação dos objetivos mercosulinos, os legisladores desprezam e rejeitam os projetos de lei, permitindo com isso, um retrocesso no processo integracionista. Espera-se, aproveitando o atual momento de mudanças, face os resultados das recentes e futuras eleições, que tal estilo também possa ser modificado, possibilitando o avanço do Mercosul.

Ademais, na atualidade econômica mundial os Estados equilibram-se através de difíceis e delicadas operações cambiais. Assim, de fato, unem-se para seu próprio fortalecimento. Portanto, a formação de blocos regionais ou continentais ocorreu, não só para inaugurar o Século XX e, sim, para preparar o desenvolvimento das nações. Por isso, crê-se que a política de integração evidentemente promoverá a aceleração do desenvolvimento regional.

Nesse sentido, é da maior urgência que os países integrantes do bloco mercosulino incorporem às suas discussões o projeto legislativo de convergência para alcançar os objetivos colimados no Tratado de Assunção, acompanhando o crescimento mundial.

Vale ressaltar que, a participação, informação e conscientização da comunidade é fundamental para formalizar a sustentação do bloco. Sendo assim, mister se faz alertar os países signatários do Tratado de Assunção quanto a importância de envolver a população nas discussões relativas ao processo de evolução do Cone Sul, haja vista que a política latino-americana de integração, que amplia os mercados, trará desenvolvimento em todos os segmentos, inclusive no social.

É forçoso afirmar que o conceito clássico de soberania tem-se mostrado uma sólida barreira para a implantação do direito comunitário no Mercosul. Entretanto tal conceito deverá ser urgentemente discutido e reavaliado como forma de permitir que o bloco mercosulino tome uma nova postura frente à realidade econômica mundial. E, nessa esteira, tendo o Mercosul escolhido o modelo intergovernamental para implementar suas decisões, necessita de uma imediata reflexão política a buscar decisões conscientes que visem reafirmar os objetivos do Tratado para a efetiva integração.

Portanto, os Estados-Partes, signatários do Tratado de Assunção devem com a maior rapidez examinar suas legislações sobre a matéria, no sentido de alterar preceitos constitucionais, permitindo a necessária flexibilização do conceito absoluto de soberania para um conceito relativo de soberania.

Finalmente, as deficiências econômicas dos países mercosulinos, como as crises vivenciadas atualmente, devem fazer com que seus representantes governamentais possam rever as questões sucintamente aqui abordadas como entrave à adoção do direito comunitário, a fim de que, num brevíssimo espaço de tempo, possam modificar seus textos constitucionais, possibilitando a inserção do modelo europeu, visando a recepção e a implementação de normas comunitárias no Mercosul.

Adiloar Franco Zemuner

é advogada e, professora da UEL (
adiloar@yahoo.com.ar).

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