Menos dinheiro, mais democracia

O País começa a esquentar os motores da campanha política que colocará na rua cerca de 400 mil candidatos interessados na disputa de pouco mais de 55 mil cargos de vereador e de 5.660 vagas de prefeito. A se considerar que cada candidato terá uma equipe de 30 a 40 colaboradores (média entre grandes e pequenas equipes) para trabalhar profissionalmente nas diversas frentes das campanhas majoritárias e proporcionais, teremos um universo aproximado de 12 milhões a 16 milhões de pessoas envolvidas diretamente no processo de formação da primeira base do edifício político.

A campanha municipal, cuja proximidade aos cidadãos propicia intenso envolvimento social, constitui, seguramente, um dos maiores eventos de mobilização nacional e, ainda, uma das mais afiadas ferramentas de redistribuição de renda do País. É o momento em que parcela formidável do PIB eleitoral, estocado nos caixas 1 e 2, entra em redutos de classes mais pobres, de onde saem os batalhões da campanha de rua. O caixa 1 é o cofre oficial que recebe dinheiro de doadores físicos e jurídicos e os recursos do fundo partidário. O caixa 2 é o cofre escondido onde se abrigam as massas financeiras com o selo da ilegalidade. A proporção entre a grana por baixo do pano e o dinheiro oficial é, no mínimo, de três para um, comprovando que a democracia brasileira tem raízes no poder invisível.

Ao contrário de campanhas anteriores, a deste ano será regrada pela compressão nos volumes financeiros. Há estimativas de que serão movimentados cerca de R$ 5 bilhões, volume que pode parecer extraordinário. É bem menor, porém, que quantias investidas em campanhas nacionais dos últimos anos. Com a diminuição dos negócios a cargo do Estado, desde o início dos anos 1990, com a implantação do programa de privatização, patrocinadores de campanhas refluíram seus interesses na área política, fechando a mão aberta que estendiam aos candidatos. Ao lado do Estado menor, o olho da mídia passou a vigiar de perto a colaboração financeira de empresas. O receio dos empresários aumenta em função da lupa colocada pelo Ministério Público nas relações promíscuas entre as esferas privada e pública.

O aperto financeiro na disputa eleitoral acarretará benefícios à democracia brasileira. Campanhas menos exuberantes e mais comedidas terão o condão de recolocar a locomotiva eleitoral nos trilhos da política. Perfis aparecerão de cara mais limpa, sem retoques de identidade. Propostas e conceitos serão naturalmente percebidos e avaliados pelo eleitor. É claro que a cabine dos cosméticos do marketing continuará aberta para lapidar a imagem de candidatos endinheirados – e haverá muitos pelo País -, o que manterá certa assimetria nas campanhas. Some-se a isso um patrocínio financeiro de porte, bancado principalmente por agentes mais poderosos do mercado de financiamento de campanhas: o financeiro, o de construção civil, o da indústria pesada e o farmacêutico. Nas capitais, grandes e médias cidades, o peso de financiamento eleitoral continuará a ser generoso em função da lei das recompensas.

Entre as diversas questões que emergem do mercado de financiamento de campanhas, está a de saber por que no Brasil o produto político é tão caro. Bill Clinton arrecadou, em 1996, nos Estados Unidos, cerca de US$ 43 milhões. As campanhas de Fernando Henrique em 1994 e 1998 gastaram cerca de US$ 40 milhões (dados pesquisados pelo professor David Samuels, da FGV), como se vê um custo bem próximo ao da campanha norte-americana. Com a diferença de que, ao contrário dos Estados Unidos, aqui não se paga nem um centavo pela veiculação de propaganda eleitoral. Portanto, fazer política custa bem mais caro no Brasil. Uma campanha para prefeito de uma cidade grande, no País, está orçada em torno de R$ 10 milhões, mas alguns candidatos gastarão bem menos, enquanto outros disporão do dobro dessa quantia. A política está deixando de ser missão para ser profissão bem remunerada.

A cada eleição, ressalte-se ainda, expande-se o clamor por políticas públicas em detrimento de pressões por serviços e recompensas futuras. Ou seja, doadores de campanhas interessados em faturar “serviços futuros” ordenados por candidatos que ajudaram a eleger estão cada vez mais comprimidos por demandas sociais crescentes. Não por acaso, os orçamentos monitorados pela mídia e pelo Ministério Público já são mais rígidos em relação a pleitos individuais. Dessa forma, a moeda de troca de candidatos vai ficando mais desvalorizada a cada eleição. A conclusão é a de que São Francisco entra, agora, na história da nossa política com a imagem de pobreza, contrapondo-se à sua velha lição “é dando que se recebe”. Pode-se dizer que campanha franciscana faz bem à democracia brasileira.

Gaudêncio Torquato

é jornalista, professor titular da USP e consultor político. E-mail: gautor@gtmarketing.com.br

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