Representantes de Conselhos Regionais de Medicina (CRM) afirmam que médicos e
hospitais ainda exigem o boletim de ocorrência (BO) para realização de aborto em
caso de estupro. A prática contraria norma editada pelo Ministério da Saúde em
março.

continua após a publicidade

Em alguns estados, como Bahia, Goiás e Rio de Janeiro, os
conselhos não impõem regras, mas orientam os profissionais da área de saúde a
pedirem o boletim. No Maranhão, o CRM determinou, por meio de uma resolução, que
os médicos só façam abortos após a apresentação do documento.

De acordo
com o presidente do CRM/DF, Eduardo Guerra, a norma não indica motivos evidentes
para a dispensa do boletim. "Não há nenhuma razão plausível para a dispensa do
BO", comenta. Segundo ele, o Código Penal não exige o documento. No entanto, o
presidente do Superior Tribunal Federal (STF), Nélson Jobim, afirmou que o
médico pode ser condenado criminalmente pela prática. "É uma norma técnica que
está em aparente contradição com o ordenamento jurídico. É absolutamente inócua
e vai cair no desuso por si só", prevê.

A posição de Eduardo Guerra é a
mesma do presidente do CRM/Bahia, Ivan Moura. De acordo com ele, o BO continua
sendo cobrado porque, na dúvida, os médicos preferem se prevenir de processos
judiciais. "Na prática, continuamos cobrando. O Ministério da Saúde diz de uma
forma e o STF diz de outra. Ficamos em dúvida", relata.

continua após a publicidade

A mesma
reclamação é feita pelo ouvidor e 2º vice-presidente do CRM/Goiás, Lueis Canedo,
e pelo diretor do CRM/Rio de Janeiro, Abdu Kexfe. "Acredito que a única solução
para isto é que o movimento feminista crie um local onde este aborto possa ser
feito. Um ambiente seguro e próprio para isso, independentemente do serviço
público de saúde", analisa Kexfe.

Em São Paulo, ainda não há consenso
entre os médicos. A questão só será definida em uma reunião do conselho, no
próximo dia 15. Segundo a Assessoria de Imprensa do CRM/SP, a entidade ainda não
tem posição.

continua após a publicidade

O Ministério da Saúde tenta sensibilizar os municípios pelo
fim da exigência. De acordo com a assessora técnica da área da Saúde da Mulher
do ministério, Regina Viola, o órgão está encaminhando aos hospitais de todas as
cidades explicações sobre os motivos pelos quais a norma deve ser adotada.
Segundo ela, o regulamento foi editado após um processo de revisão das normas
vigentes até então. "Nós procuramos incorporar avanços tecnológicos e mudanças
da legislação ou nos fluxos de rotina dos serviços. Uma série de serviços para
mulheres violentadas e atendimentos de aborto legal já atuavam com esta visão",
explica.

A legislação sobre o tema será discutida, no próximo dia 12, por
uma comissão instalada nessa quarta-feira na Secretaria Especial de Políticas
para Mulheres, e composta por 18 representantes dos Poderes Executivo,
Legislativo e da sociedade civil. A criação do grupo faz parte do Plano Nacional
de Políticas para as Mulheres (PNPM), que prevê 198 ações que beneficiam
diretamente as mulheres.