Médicos consideram apressado falar de racismo no SUS

Profissionais de saúde consideraram apressada a declaração do ministro da Saúde, Agenor Álvares, de que há racismo no Sistema Único de Saúde. Eles defendem que haja pesquisas completas que expliquem a causa da morte de negros por doenças como tuberculose, aids e hipertensão arterial, em maior número se comparado com o falecimento de brancos pelos mesmos motivos. "É preciso olhar o problema com muita atenção. O que existe é assimetria na qualidade do atendimento entre o serviço público e privado. O problema é que o pobre não tem acesso à saúde e isso acontece com branco, pardo e negro", afirmou o cardiologista Evandro Tinoco Mesquita, professor da Universidade Federal Fluminense.

Com 25 anos de vivência em hospital universitário, Mesquita defende que se separem os diferentes fatores que possam levar aos resultados negativos para a população negra, como nível educacional, condições econômicas, acesso a atendimento médico. "É preciso isolar os fatores socioeconômicos e culturais". O professor pesquisou genes que provocam a insuficiência cardíaca em pacientes do SUS. Nos Estados Unidos, esses genes aparecem na população negra. No Brasil, ele descobriu que as características genéticas que causam a doença estão presentes em brancos, negros e pardos. "Nossa miscigenação homogeneizou a doença. É preciso ter uma certa atenção para não pintar a nação como bicolor, porque não somos.

O presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro, Jorge Darze, refutou a declaração do ministro. "Não resta dúvida de que existe preconceito racial, mas não vejo isso acontecer do ponto de vista da assistência ao paciente. No dia-a-dia do sistema, isso não fica caracterizado. O que existe é uma política pública que discrimina o pobre e oferece a ele o SUS como única alternativa de atendimento, um serviço que não recebe investimentos", criticou.

Levantamento

O ministro Agenor Álvares baseou-se em levantamentos e pesquisas que, segundo ele, são indícios de discriminação no atendimento entre brancos e negros. Uma das pesquisas é a da equipe da médica epidemiologista Maria do Carmo Leal, vice-presidente da Fundação Oswaldo Cruz. Ao analisar prontuários de 9.633 grávidas atendidas no SUS, as pesquisadoras perceberam que num grupo de 100 pacientes negras, 23 não receberam anestesia. Já entre 100 brancas, esse número cai para 16 mulheres.

"Para estudar o racismo é preciso perguntar se a pessoa se sentiu discriminada. Não fizemos isso. Mas nas análises, a gente vê que existe discriminação socioeconômica e por cor", afirmou Maria do Carmo. Entre as mulheres brancas com ensino médio incompleto, 27,8% foram recusadas pela primeira maternidade que procuraram. Já aquelas com ensino médio completo, isso ocorreu em 9,4%. Entre as negras com baixa escolaridade, 33,9% tiveram de ir a mais de uma maternidade. Das que tinham ensino médico completo, 22,7% tiveram de peregrinar até encontrar atendimento.

"Admitir que existe o racismo é importante para que possamos transformar o atendimento à população numa prática mais solitária. Não é uma denúncia de que trabalhadores do SUS são maldosos, eles são vítimas de uma cultura de que o negro é um cidadão subalterno e precisamos interferir para mudar isso", disse a coordenadora do Comitê Técnico de Saíde da População Negra do Ministério da Saúde, Ana Costa.

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