Na complementação do posicionamento do deputado federal Maurício Rands, vice-presidente da Comissão da Reforma Trabalhista na Câmara dos Deputados, debate a questão da reforma sindical. Autor do projeto de emenda constitucional 29/03, juntamente com o deputado federal Vicentinho, apresenta os pontos principais da importante matéria.
“A PEC 623 encaminhada à Câmara dos Deputados pelo Presidente FHC era débil porque concebia a liberdade sindical apenas no seu aspecto negativo. Eliminava o monopólio da representação sindical (unicidade) e a contribuição sindical obrigatória. A reforma sindical necessária tem que ir mais além. Além de eliminar interferências indevidas do estado na organização sindical (aspecto negativo), tem que criar dispositivos que viabilizem a organização sindical autônoma e a negociação coletiva. Como fazem os EUA desde o National Labor Relations Act de 1935 ou a Itália desde 1970 com o Statuto dei Lavoratori. Este o aspecto positivo da liberdade sindical. Não se trata de simplesmente retirar o Estado das relações sindicais. É preciso que o Estado abandone o detalhe ou o controle da atividade sindical; mas, que intervenha com dispositivos para equilibrar relações estruturalmente desiguais como são as do tipo capital-trabalho. Note-se que o nosso Direito Civil, tradicionalmente apegado à concepção liberal da igualdade formal, acaba de se render à constatação de que em determinadas relações jurídicas o que existe é muita desigualdade de fato. Foi por isto que o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90) cuidou de uma série de dispositivos para tentar igualar o poder de fato do consumidor vis a vis o fornecedor do produto ou serviço. Assim, surgiram normas garantindo a inversão do ônus da prova, a coletivização dos processos judiciais em que os consumidores podem ser substituídos processualmente por entidades de proteção, a nulidade das cláusulas abusivas”.
“Pelo mesmo fundamento, o Direito Coletivo do Trabalho no Brasil está à espera do equivalente ao Código de Defesa do Consumidor. De uma legislação que reconheça a desigualdade de fato entre empregadores e empregados, agravada na conjuntura de desemprego elevado. Somente com a liberdade sindical positiva que incentive os sindicatos poderá haver negociação coletiva. Com esta perspectiva poderíamos pensar em alguns instrumentos a serem introduzidos no art. 8.o da CF/88, que trata da organização e prerrogativas dos sindicatos: reconhecimento pleno das centrais sindicais e das organizações nos locais de trabalho; substituição processual sem limitações; eliminação da unicidade sindical com a solução dos conflitos pela legitimidade para negociar sendo resolvidos pelas centrais sindicais ou pela mediação e arbitragem; vedação da conduta anti-sindical, com previsão de tutela antecipada específica para reintegrar no emprego ou anular qualquer ato de retaliação contra o trabalhador em virtude de sua participação na vida sindical; eliminação gradual da contribuição sindical de 20% por ano a partir da promulgação da reforma; e, obrigatoriedade de desconto e repasse aos sindicatos das contribuições voluntárias dos empregados”.
Outro ponto analisado no estudo, Maurício Rands apresenta propostas sobre a reforma do Direito Individual do Trabalho: ” Na área das relações individuais do trabalho, trata-se de atualizar nossa legislação, eliminando alguns dispositivos anacrônicos, mas preservando direitos fundamentais. Existem certos detalhes que não precisam estar na lei. Vejam-se os exemplos do processo de reclamação por falta ou recusa de anotação de carteira de trabalho (Seção V, Capítulo I, Título I), ou a fixação do salário mínimo (Seção V, Capítulo III, Título I), ou os procedimentos para anotação das férias coletivas (art. 141), ou as especificações sobre as condições de segurança das edificações (art. 171), ou da nacionalização do trabalho (Capítulo II, Título III). Todavia, a atualização simplificadora não deve reduzir direitos básicos de quem trabalha como são exemplos as férias, o aviso prévio, o 13o salário, os adicionais de insalubridade ou periculosidade, a duração da jornada de trabalho, etc. A respeito desta última é chegada a hora de se pensar na sua redução, eis que a experiência de outros povos mostra que as conseqüências mais comuns são o aumento do emprego e da produtividade. A redução da jornada, aliás, pode ser pensada no bojo de outras intervenções na regulamentação da relação individual de trabalho que visem à promoção do emprego e da renda. Nesta área entram intervenções que disciplinem, por exemplo a prestação de serviço autônomo, rompendo com o atual desenho de uma CLT que apenas cobre a tradicional relação de trabalho subordinado”.
Ao enfrentar a complexa questão da criação de uma legislação de fomento à geração de emprego e renda, observa que “as potencialidades de intervenção legislativa na área do incentivo ao emprego e à renda são tais que se justifica um programa legislativo específico. À semelhança do que fizeram os italianos com a chamada `Legislação da Crise’, quando nos anos 80 reuniram com alguma sistematicidade toda uma série de leis relacionadas com o combate ao desemprego e a promoção da atividade econômica. Neste capítulo poderiam entrar a disciplina das cooperativas, para fomentá-las quando autênticas e dissuadi-las quando fraudulentas, assegurando-se direitos básicos aos cooperativados. De igual modo, outras modalidades de economia solidária ou novas formas de inserção no mercado de trabalho, bem como a criação de estatuto específico de direitos para os que trabalham em micro-empresas ou empresas familiares”.
No que se refere à necessária reforma do direito do processo do trabalho, com sua experiência de advogado trabalhista indica pontos fundamentais: ” As ações trabalhistas hoje podem levar em média sete anos para conclusão. São muitos os recursos para um processo que originalmente foi concebido com base no princípio da oralidade. O momento é de resgatar o objetivo de celeridade com que foi concebido. Pode-se favorecer os instrumentos coletivos processuais, possibilitando aglutinarem-se demandas por interesses individuais homogênos ou coletivos. Pode-se, por outro lado, eliminar uma série de recursos que só delongam a solução da lide trabalhista. Sobretudo a execução pode muito bem ser finalizada na segunda instância, eliminando-se qualquer possibilidade de recurso de revista. Devem ser pensadas medidas processuais que desestimulem o descumprimento das obrigações trabalhistas. Como a delonga da solução final serve de incentivo a tal descumprimento, podem-se introduzir dispositivos aumentando o ônus do descumprimento: multas com mecanismos processuais de cobrança agilizados, ao lado do incremento na taxas de juros dos débitos trabalhistas. Um processo trabalhista simplificado e voltado para assegurar a efetividade dos direitos trabalhistas pode ser agrupado num capítulo da CLT, recolhendo institutos hoje previstos em legislação esparsa e, em alguns casos, na própria jurisprudência sumulada ou não. Isto certamente muito contribuiria para o respeito a um direito do trabalho modernizado que, ademais, incentivaria uma maior competência gerencial de nossas empresas”.
Adentra, também, a disciplina das relações de trabalho no serviço público, indicando que ” A OIT preconiza, em sua Convenção 151, não ratificada pelo Brasil, a adoção da negociação coletiva para solucionar os conflitos coletivos dos servidores públicos com a administração. No Brasil, tem prevalecido a concepção do direito administrativo tradicional, segundo a qual as relações de trabalho no serviço público são definidas a partir de um estatuto unilateral em que o servidor a ele apenas adere. Nosso ordenamento constitucional de 1988 trouxe avanços nas relações entre os servidores e a administração pública. Introduziu o direito à sindicalização antes vedado pela CLT. Assegurou o direito de greve antes proibido pelo art. 162 da carta constitucional anterior. Ficou a meio caminho, todavia. Deixou de consagrar o direito à negociação coletiva, tal como o fazem as constituições de países democráticos como os EUA, o Reino Unido, a Itália e a Espanha. Trata-se de contradição que não resiste sequer à lógica do sistema. Como esclarece a Organização Internacional do Trabalho através de sua Convenção 151, os direitos de sindicalização e de greve estão intrinsecamente vinculados ao direito à negociação coletiva. A associação sindical visa à proteção dos interesses dos servidores que, para tanto, podem até mesmo recorrer à paralisação coletiva dos serviços, segundo o modelo constitucional de 1988. Mas para defender seus interesses, sobretudo as condições da prestação de serviços, imprescindível se faz que eles possam negociar coletivamente com a contra-parte. Que, no seu caso específico, é a administração pública.
A tradição de nosso direito administrativo é a de que o direito à negociação coletiva seja negado aos servidores públicos. O argumento é o de que as despesas que o procedimento acarreta, mormente às relativas ao aumento de vencimentos, envolvem a iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo. É o que está expresso no art. 61, § 1.o, I, a, da CF/88. A matéria, para a doutrina conservadora tradicional, seria da iniciativa privativa do Executivo e teria que ser aprovada pelo Legislativo. Estaria assim preservada a competência do Legislativo para aprovar em última instância despesas que serão realizadas com os recursos da população. Para esses, o raciocínio acima explicitado seria óbice insuperável ao direito de negociação dos servidores. Ocorre que é possível compatibilizar os dois princípios, a saber, a prática da negociação como corolário dos direitos de sindicalização e de greve, por um lado, e a iniciativa privativa do Executivo para obter do Legislativo a autorização das despesas que honrarão o acordado”.
Finalmente, conclui suas observações: ” Esta mesma aparente contradição foi superada já em 1980 no Ordenamento Italiano. Naquele ano foi aprovada a famosa Legge Quadro 83, que instituiu o procedimento na administração pública. O modelo adotado estabeleceu que a administração e os sindicatos de servidores devem negociar uma `hipótese de acordo’. Depois de submetida à Corte de Contas e ao Gabinete Ministerial, a `hipótese de acordo’ é remetida ao Parlamento que, em nome do povo, aprova o seu conteúdo através da edição de uma lei. Procedimento similar é adotado pelo modelo espanhol, para ficar em dois ordenamentos jurídicos de tradição romanística como a brasileira. É nesta perspectiva que se enquadra a proposição que nos parece dever integrar a reforma do sistema de relações de trabalho. Coerente com a Doutrina da OIT, sobretudo a Convenção 151 que recomenda a negociação coletiva no serviço público, a proposta respeita a iniciativa do Executivo e a competência última do Legislativo para autorizar despesas. Ao mesmo tempo, dá conseqüência aos institutos da sindicalização e da greve que foram estendidos aos servidores públicos pelo constituinte de 1988. Fundados nestes princípios, podemos lembrar a recente experiência da Prefeitura do Recife desde 2001, data da posse do Prefeito João Paulo, do PT. Visando democratizar as relações com os servidores, aquele governo municipal introduziu a Mesa Permanente de Negociações. Além da negociação principal celebrada anualmente na data-base dos servidores, ficou assegurado um canal permanente para discussão das reivindicações do funcionalismo, garantida a mais ampla transparência sobre os dados administrativos e financeiros do município. O resultado é que desde o início do novo governo, apesar dos constrangimentos da Lei de Responsabilidade Fiscal e da própria dificuldade orçamentária da cidade, a relação com os servidores tem sido pautada por uma recuperação gradual do poder aquisitivo dos vencimentos e pelo respeito mútuo fundado na discussão e no entendimento entre as partes. É esta experiência que pode ser facilitada pela mudança constitucional que sugerimos dever integrar a reforma trabalhista a ser feita no país, viabilizando a sua ampliação em todas as esferas da administração pública brasileira”.
Edésio Passos
é advogado e ex-deputado federal. E.mail: edesiopassos@terra.com.br