1. A controvérsia trabalhista
Discute-se, de longa data, a possibilidade de prosseguimento da execução, tendo ou não havido penhora de bens, na Justiça do Trabalho, a partir da declaração de falência pela Justiça Estadual.
Duas correntes antagônicas, e excludentes, se digladiam sobre o assunto, na seara da doutrina e jurisprudência trabalhistas. A primeira, que poderíamos chamar de ampliativa, com base em fundamento constitucional e na Lei dos Executivos Fiscais, especialmente, “confere competência exclusiva à Justiça Especializada para a execução dos créditos trabalhistas considerados super privilegiados” (FERNANDES, Mônica Aiex Gomes. Execução Trabalhista: Visão Atual. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 154). A segunda, restritiva, e dominante na jurisprudência, “entende que a competência da Justiça do Trabalho quanto ao crédito trabalhista na falência limita-se à fase de conhecimento e liquidação do quantum devido ao empregado, para posterior habilitação no processo falimentar. A execução dos créditos seriam atraídos pelo Juízo Universal da Falência, salvo exceções da própria Lei de Falências” (ob. e p. cit.).
2. O antagonismo doutrinário e suas fundamentações
Examinando o tema em epígrafe, com profundidade, Célio Horst Waldraff assevera que uma interpretação tradicional e gramatical levou a doutrina a reconhecer a competência da Justiça do Trabalho, em face da leitura rasa do art. 114 da Constituição, mas: “A jurisprudência, especialmente do STJ em conflitos de competência entre o juízo trabalhista e falimentar, está consolidada ao atribuir a competência ao juízo falimentar” (WALDRAFF, Célio Horst. Contribuição para o debate sobre os créditos trabalhistas na falência: competência e outras questões. In Transformações do Direito do Trabalho – Estudos em homenagem ao professor doutor João Régis Fassbender Teixeira. Coordenação de Aldacy Rachid Coutinho, José Affonso Dallegrave Neto e Luiz Eduardo Gunther. Curitiba: Juruá, 2000. p. 423).
Esse mesmo autor, que também é juiz no TRT da 9ª Região, e professor universitário, defende que a competência deve ser atribuída ao juízo falimentar, por duas razões: “a) por uma questão funcional, em vista dos sérios inconvenientes do prosseguimento de diversas execuções individuais no juízo trabalhista; e b) por uma questão de isonomia entre os credores trabalhistas, o que não será observado na prática com execuções autônomas perante o juízo trabalhista” (ob. e p. cit.)
Com fortes argumentos em sentido contrário, Manoel Antônio Teixeira Filho justificando: a) com os dispositivos constitucionais que tratam da competência dos juízes federais (art. 109, I) e juízes do trabalho (art. 114), afirmando que o constituinte excluiu da competência daqueles as causas falenciais, mas não os fez em relação a estes; b) tendo a competência trabalhista domicílio constitucional, seria insensato imaginar pudesse ser solapada por regra ordinária (Dec. Lei n.º 7.661/45 – art. 23); c) o juízo de falência não é tão universal quanto se propala, porquanto a Lei n.º 6.830/80 admite que a competência para processar e julgar a execução da dívida ativa da Fazenda Pública exclui a de qualquer outro juízo, inclusive o da falência (art. 5º); d) é chegado o momento de admitir-se a competência da Justiça do Trabalho para promover a execução (integral) contra a massa falida (TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. 7 ed. Execução no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2001. p. 277-283).
Esse renomado autor afirma radicalmente a “competência da Justiça do Trabalho, mesmo com a arrecadação dos bens, pelo juízo da falência; afinal, a execução trabalhista não representa, em rigor, processo autônomo, mas simples fase seqüente ao processo do conhecimento, de que se originou o título exeqüendo” (ob. cit. p. 283).
3. A posição recente do Excelso STF
O Informativo n.º 276/02 do E. STF nos dá conta de recente decisão dos Ministros daquela Corte, afirmando, por unanimidade, a competência do Juízo Universal da Falência, portanto, Justiça Estadual, e não Justiça do Trabalho, nos seguintes termos: “Falência e Execução Trabalhista – Decretada a falência, a execução de crédito trabalhista deve ser processada perante o juízo falimentar. Com esse entendimento, o Tribunal, julgando conflito de competência entre o TST e juiz de direito estadual, declarou a competência do juízo da falência para arrecadar os bens da massa falida que foram penhorados pela Justiça do Trabalho em execução trabalhista. CC. 7.116-SP, rel. ministra Ellen Gracie”.
4. A solução possível via Seção Especializada
A necessidade de buscar-se um tratamento uniforme na execução trabalhista vem sendo tentada no TRT da 9.ª Região, especialmente agora, quando a Seção Especializada, única, em face de recente alteração regimental, em vigor desde janeiro/02, passou a deter competência para julgar, em grau de recurso, os agravos de petição e agravos de instrumento a estes vinculados (art. 20, II, a – ver Regimento Interno do TRT da 9ª Região Comentado – Com anotações de doutrina e jurisprudência – dos autores deste trabalho. Curitiba: Juruá, 2002. p. 61-65).
Perante a Seção Especializada já se tomaram, é verdade, sobre o tema da falência na execução trabalhista, decisões divergentes. Isso se explica pela pequena margem de diferença nas votações em favor de uma orientação, ou de outra, e, também, pela mudança freqüente na composição dos juízes para manter o quorum. Citam-se dois exemplos conflitantes a respeito:
Primeiro, pela incompetência da Justiça do Trabalho:
“Declaração de falência. Penhora. Competência. Juízo Universal. Decretada a quebra, mesmo após a penhora de bens da executada, para satisfação de crédito trabalhista, qualquer ato executório deve prosseguir no juízo universal da falência, pela vis attractiva que encerra, afastando a competência desta Justiça Especializada, em face de regra específica insculpida no artigo 768 do Diploma Obreiro. Tal entendimento não exclui a natureza privilegiada do crédito trabalhista, antes viabiliza que em razão desta natureza não haja prejuízo aos demais credores, justificando-se, ainda, pelo fato de que o processamento da falência no Juízo Trabalhista enfrentaria dificuldades de ordem prática, seja pela possibilidade de não localização de bens da devedora passíveis de penhora, seja pela multiplicidade de decisões, tanto emanada do judiciário trabalhista como do juízo falimentar” (TRT-AP 3.758/2001. AC. 13.860/02. SE. Rel. Juíza Rosemarie Diedrichs Pimpão. DJPR 14.6.02, Boletim de Jurisprudência do TRT da 9.ª Região. Junho 2002. p. 29).
Segundo, pela competência da Justiça do Trabalho:
“Falência – Competência – Execução. A Justiça do Trabalho é competente para prosseguimento da execução quando a penhora, em seu âmbito, se deu antes da arrecadação pela Massa Falida arts. 109, I, e 114, caput, da CF . Apenas no caso de não ter havido penhora antes da falência é que a execução se desloca para a Vara onde se processa a falência” (TRT-PR-AP 4.155/01. AC.11.134/02. SE. Rel. Juiz Luiz Eduardo Gunther. DJPR17.05.02).
5. Conclusão
Espera-se, assim, que, em curto prazo, a E. Seção Especializada do TRT da 9ª Região, sob os influxos da interpretação dada pela Suprema Corte brasileira, possa adotar uma posição uniforme quanto à execução por dívida trabalhista da massa falida.
Luiz Eduardo Gunther
é juiz do TRT da 9.ª Região.Cristina Maria Navarro Zornig é assessora no TRT da 9.ª Região.