Mas que crise?

As autoridades responsáveis ou ligadas ao sistema de tráfego aéreo em coro estão perguntando: ?Mas que crise??. A começar pelo ministro da Defesa, Waldir Pires. Mesmo os responsáveis mais diretos pelo funcionamento do sistema decidiram negar que exista ou tenha existido um caos aéreo, apagão aéreo, expressões que traduzem a balbúrdia em que se tornou o tráfego de aviões pelos céus do Brasil, especialmente quando, por mais de cinco horas, num movimento paredista, os controladores de vôo cruzaram os braços e as aeronaves ficaram paradas nas pistas. Foram acontecimentos pontuais, insistem. O que teria acontecido seria ora alguns radares que decidiram não funcionar, ora parte do sistema de comunicação por computador que entrou em inexplicáveis panes, ora empresas aéreas que venderam mais passagens do que assentos disponíveis (overbooking), ora a imprevidência de São Pedro, que, abrindo exageradamente as torneiras do céu, inundou pistas, como a principal do Aeroporto de Congonhas, o mais movimentado do País, impedindo o seu funcionamento. E, em efeito dominó, foram sendo cancelados ou atrasados vôos por todo o Brasil. Esses tais ?acontecimentos pontuais? chegaram a gerar um começo de crise no governo federal, que, até então, fingia não ser responsável pelo sistema e, portanto, nenhuma responsabilidade teria pelo que estava acontecendo.

Todos sabem que, mesmo nos países mais adiantados, há atrasos e cancelamentos de vôos, além de ?overbookings?. Mas o que aqui ocorreu, e por mais de seis meses, foi uma repetição quase que diária de problemas inexplicáveis e inexplicados, a ponto de levar ao desespero passageiros que passaram dias e noites nos aeroportos, dormindo pelo chão e esgotando a paciência. Houve até violência física, com agressões entre disputantes de eventuais vagas em vôos que logravam ocorrer ou contra funcionários de companhias aéreas.

O governo federal mobilizou um ministro civil, Paulo Bernardo, para tentar mediar a crise com os controladores de vôo. Ele prometeu aos profissionais, civis e militares de um sistema militarizado, mundos e fundos, com a licença do presidente Lula transmitida desde os Estados Unidos, onde se encontrava. Entre as promessas, a de que os rebelados não seriam processados e presos, apesar de muitos estarem sujeitos à legislação militar e a Procuradoria de Justiça da Aeronáutica ter aberto um inquérito policial militar, acusando os controladores de pelo menos quatro crimes. Voltando dos Estados Unidos e vendo a ?mancada?, Lula criticou os controladores, retirou o habeas corpus preventivo e retirou do ministro civil a autoridade que lhe outorgara. Voltou à cena a Aeronáutica, seu comandante retomando as rédeas do controle aéreo e reconvocando seus oficiais que, justificadamente e porque desautorizados, haviam abandonado seus postos.

Na Páscoa, os controladores decidiram trabalhar regularmente, se é que se pode chamar de regular um serviço que apresenta falta de pessoal, sobrecarga de trabalho, baixos salários e falhas técnicas nos sistemas de comunicações e de radar. Os atrasos caíram a níveis aceitáveis. O comandante da Aeronáutica aparece de público oferecendo ponderações que não são a falsa desculpa de ?problemas pontuais?, mas que podem levar a um fim da crise com o tempo. Sobre a reivindicação de aumentos salariais para os controladores, recomendou a promoção dos militares, que, em sua maioria, são sargentos. Promovidos, seguiriam carreira e ganhariam mais. Providências estão sendo tomadas para a aquisição de equipamentos em maior quantidade e mais modernos. E estão sendo formados novos controladores de vôo, além da arregimentação de quem se habilite àquelas funções. Os problemas pontuais continuarão surgindo. Mas, daqui uns três ou quatro anos, o sistema poderá estar em ordem, recuperando a confiança de milhares de pessoas que dele necessitam.

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