Lemos nos jornais que o governo está empenhado em fazer votar no Congresso o que se convencionou chamar de minirreforma tributária. A proposta, ali pronta já faz tempo, busca a eliminação da cobrança em cascata do PIS-Pasep, que, penalizando a produção, é apontada como uma das causas das dificuldades no aumento de nossas exportações. Se o Congresso não votar a matéria até o final do mês, cogita-se fazê-la vigente através de medida provisória. Além da velha questão tributária, entendem alguns palacianos que o fato criaria clima melhor para o candidato à Presidência José Serra, herdeiro do espólio dos dois governos de Fernando Henrique Cardoso.
Ninguém a princípio, incluindo a oposição, é contra a aprovação da matéria. Só nas hostes do PFL existem algumas resistências. O problema todo está na dificuldade de reunir em Brasília o número necessário de parlamentares para a votação que, defendem alguns, poderia ser até simbólica. E essa dificuldade não decorre da falta de lugares nos vôos que levam à capital federal, nem da estreiteza de recursos com os quais pagar os bilhetes. O problema todo, como tem sido até aqui, é político: uma minirreforma ajudaria o candidato do governo, que insiste em permanecer na lanterna das sondagens eleitorais.
Desde que FHC assumiu o governo, a reforma tributária é tema de primeira grandeza nos debates do País. A promessa, duas vezes repetida, não foi cumprida ora por questões políticas como essas de agora, ora por calculada matreirice do próprio Planalto. O presidente em pessoa costuma responsabilizar a oposição pelo fato de a reforma tributária não ter acontecido; nos meios políticos, entretanto, tem-se como certo que a culpa maior é do próprio governo, que não teria se empenhado o suficiente no encaminhamento da matéria, sempre com medo de perder arrecadação. De medo em medo, a carga tributária subiu 42,7%, em termos reais, já descontada a inflação, nos últimos sete anos. Teve imposto travestido de contribuição, como a Cofins (também incidente em cascata sobre a cadeia produtiva), que subiu sozinho 107% no mesmo período.
Agora que a crise mais política que qualquer outra coisa cobra a sua parte, vê-se o governo num beco sem saída. Se nada faz, a crise se aprofunda e leva com ela inclusive as já tênues esperanças de fazer o sucessor. Se edita a minirreforma, pode estar dando o argumento que faltava para confirmar a acusação opositora, segundo a qual a culpa maior da crise e da credibilidade é, mesmo, do governo. Nem o apoio inesperado da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, sabidamente avessa às coisas do FMI, é capaz de resolver o impasse.
Ante a quase certa impossibilidade de reunir em Brasília o quorum necessário à apreciação e votação da matéria, a saída de FHC, segundo se divulga, é obter o consenso das lideranças partidárias (e principalmente dos candidatos à Presidência) e editar medida provisória. Resolveria em parte a urgência política em socorro de Serra, mas, além do falatório que geraria, sobraria a questão técnica: pelas novas regras, o Congresso teria, da mesma forma, que apreciar o assunto em prazo exíguo. É a aplicação da velha sabedoria popular segundo a qual marmelada na hora da morte também mata.