Depois de passar doze dias na flauta, como boa parte dos brasileiros de vida ganha, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva volta ao trabalho, em Brasília, e anuncia estar firmemente decidido: quer que a marca de seu governo neste 2004 seja o crescimento. Se não já tarde, pois que passou todo o ano findo prometendo o paraíso, essa nova promessa vem em boa hora. Crescimento econômico é fonte de desenvolvimento, aumento da auto-estima e satisfação geral, além de fator inigualável de geração de empregos. E sem emprego não há fome que se sacie. Nem governo que se sustente.
Na redescoberta da pólvora, Lula já deu ordens a seus líderes no Congresso e fora dele. Quer que o parlamento se ocupe desse tema durante o período de convocação extraordinária, até aqui sem pauta definida, mas com remuneração extra garantida. Na Câmara, o líder Aldo Rebelo sentencia: ?A agenda do desenvolvimento será o aspecto central da pauta do Congresso e do governo?. Sem precisar quais são os projetos em pauta, Paulo Bernardo – outro deputado porta-voz do Planalto – complementa: ?Precisamos votar neste ano os projetos que representam o verdadeiro gargalo para a retomada do desenvolvimento?.
O tema também é motivo para os primeiros sofismas de ano novo do presidente do PT, José Genoino. Para ele, este será um ano bem mais fácil exatamente em função dessa agenda positiva imaginada pelo companheiro-chefe: ?É a agenda do crescimento?. Mas já emenda também ?a agenda da reforma política, da reforma do Judiciário, da reforma agrária? (nada disse sobre a reforma sindical nem aquela da CLT, nem falou das eleições municipais, o pano de fundo de quase tudo o que de agora em diante acontecer).
Como se vê, o martelo do discurso oficial continua malhando sobre o mesmo ferro, como se tudo estivesse começando agora. Do marco zero. O grande desafio, conforme Genoino, é ?avançar na questão social? e, além disso, cuidar do crescimento econômico ?para gerar emprego e renda?.
Sobre os gargalos referidos por Bernardo, há que se refletir um pouco mais. Até chegar à conclusão que o Congresso é partícipe na construção de alguns deles. Aliás, dos principais. Não há, por exemplo, maior gargalo a estrangular a vontade de crescimento de toda a nação, de nossas empresas e de todos os brasileiros e brasileiras que o aumento da carga tributária – daquela estabelecida na reforma, que ficou meia-sola, e daquela estabelecida por medida provisória, desprezando as prerrogativas parlamentares impunemente.
Assim, ?votar os projetos que representam o verdadeiro gargalo para a retomada do desenvolvimento? implicaria uma cabal revisão de quase tudo quanto o Congresso tentou (ou deixou) fazer no ano passado. Aumentar impostos é ato que garante apenas a higidez dos cofres públicos. Mesmo assim, enquanto os contribuintes tiverem disposição ou condições de pagar. No Brasil de Lula (e seria também essa uma herança maldita?), vai bem o Estado, que muito arrecada e pouco ou nada faz.
Na iniciativa privada, murcham as esperanças e a vontade de investir e produzir. Em compensação, crescem os temores da insolvência e o medo do desemprego. Em todas as áreas. Até a produção do lixo urbano, um indicador sem precedentes, diminuiu (em Curitiba ela caiu cerca de 20% no ano passado).
Se é um governante atento aos reais anseios nacionais, Lula deve ter tido tempo de sobra para refletir sobre isso durante as férias a que se deu direito nesses dias passados. A marca pretendida para enfeitar seu governo, afora ser uma boa marca, não pode ser apenas um discurso em continuidade que vem sendo ouvido desde antes das eleições. Em qualquer peça de publicidade, é necessário que as ações anunciadas correspondam à realidade. O resto é propaganda enganosa.