Em discurso recente, daqueles em que lê uma parte e, entusiasmado, foge do escrito e põe mais emoção ao improvisar, o presidente Lula falou da fome no Brasil e das desigualdades sociais. Entende que se devem à concentração de renda. Para Lula, no Brasil “moldou-se uma bem azeitada máquina de desigualdade social. Quando se aciona o acelerador da riqueza, se aciona o freio da distribuição”. A fala foi na Expo Fome Zero, em São Paulo, onde empresas e ongs exibiram seus projetos sociais.
Lula ficou surpreendido com a existência de tantas iniciativas contra as desigualdades, tocadas pela iniciativa particular. Chegou a confessar que elas fazem mais do que o próprio governo.
O presidente foi sucedido pelo ministro Patrus Ananias, do Desenvolvimento Social, que seguiu a mesma linha de Lula, dizendo que três refeições por dia não é uma promessa do presidente, mas a expressão, por sua voz, do desejo dos brasileiros. Oxalá fosse mais que desejo e se traduzisse em conseqüentes ações que fizessem isso possível.
Lula mencionou que o País produz alimentos suficientes para toda a sua população. Disse que a nossa renda per capita não admite que ninguém passe fome. “Aqui produzimos além até do que precisamos”, acrescentou. Falou sobre sua proposta de um fundo mundial contra a fome, para acrescentar: “Mas não para o Brasil, que nós não precisamos. Nós vamos fazer este País dar certo sem precisar pegar dinheiro de fora. Acabar com a fome no Brasil é uma questão de tempo. De pouco tempo”.
Louvem-se as boas intenções do chefe da nação e se retire de seu diagnóstico sobre a fome no Brasil e as possibilidades de o País acabar com esse terrível mal as adequadas lições. Parece-nos, se não ingenuidade, pelo menos visão inadequada imaginar que, em razão de termos uma renda per capita suficiente para matar a fome de todos, bastaria desmontar a máquina azeitada da desigualdade.
A renda per capita é o Produto Interno Bruto dividido pelo número de habitantes. Só que o País, e também cada habitante, não precisa só e exclusivamente de três refeições por dia. Se assim fosse e possível se tornasse a distribuição de nossa produção de alimentos de forma igualitária, estariam garantidos o café da manhã, o almoço e o jantar de todos. Tal raciocínio leva à matemática equivocada de que, com melhor distribuição de riquezas, os ricos comendo menos, sobrariam as refeições a que têm direito os que comem nada ou quase nada.
Acontece que o Brasil, como grande produtor de alimentos, tem de exportar, mesmo que seja comida que falte à mesa de milhões de seus cidadãos. Isso porque precisa também de máquinas, equipamentos, tecnologia, medicamentos, insumos, enfim, de muita coisa que não produzimos nem temos condições de fabricar. E, não raro, nem nos compensaria produzir. Infelizmente, precisamos de dinheiro de fora. A maioria dos países em desenvolvimento precisa. E o captam inclusive e também os países desenvolvidos.
O desmonte dessa máquina azeitada da desigualdade social passa pela melhor distribuição da riqueza nacional, mas não se trata de uma simples divisão do bolo. Nem de um simples aumento do bolo, para depois dividi-lo. Reforma agrária, infra-estrutura para o desenvolvimento, utilização de mecanismos tributários adequados, salários decentes, mudanças complexas e radicais se fazem indispensáveis para desazeitar essa máquina cruel das desigualdades.